Lourival
da Silva Lopes
União / PI
A pedagogia da surra
Chovia intensamente. Meninos e meninas se lambuzavam na água
que se acumulava nas ruas. Coisas de crianças, alegrias
sem fim. Eu estava no meio deles, mas sabia que, quando chegasse,
em casa, iria apanhar. Minha mãe havia pedido que, se chovesse,
era para eu ficar quieto em casa. Nada de tomar banho na chuva.
Podia ficar doente. Eu não quis saber de nada disso. Vendo
a alegria das outras crianças, não resisti; caí
na chuva, brincando a valer. Queria que aquele momento durasse
para sempre. Assim, não apanharia. De repente, a chuva
parou. Já era de tardezinha. Não dava tempo enxugar
nem a roupa nem o corpo. Não tinha jeito. Voltei para casa.
Minha mãe, com um cipó de tamarindo na mão,
me esperava na entrada da porta.
- Não te disse, seu desobediente! Pega, para você
aprender a obedecer a sua mãe!
O tamarindo chiava nas minhas costas, doía forte. Parece
que quanto mais ela batia, mais tinha vontade de bater. Senti
minha pele arder. Pedi por tudo quanto é sagrado para ela
não me bater mais. Implorei. E nada. O galho de tamarindo
já estava todo quebrado e minha pele toda ferida. As dores
já se misturavam ao sangue escorrendo pelo meu corpo. Até
que enfim, me dá uma sentença:
- Senta aí nessa cadeira, seu moleque. Você devia
me respeitar. Não sou sua par(i)ceira. Sou sua mãe.
Sentei-me na cadeira, resmungando e chorando um choro baixo, soluçante.
Do contrário, apanharia mais. Enquanto isso, minha mãe
dirigiu-se a um armário, pegou uma bíblia. Abriu-a
em uma página já marcada. Encaminhou-se para perto
de mim. Puxou um tamborete, sentou-se e começou a ler em
voz alta, vagarosamente, para que as palavras, suponho, penetrassem
mais fundo em minha consciência.
- “Quem ama o filho não lhe poupa o chicote, para
poder mais tarde alegrar-se com ele.
Quem ensina o filho, colherá fruto nele e se orgulhará
no meio dos familiares.
Quem ensina o filho, deixará os inimigos com inveja e dele
se orgulhará no meio dos
amigos.
Se o pai vem a morrer, é como se não morresse, pois
deixa em seu lugar alguém que lhe é semelhante.
Em vida, sentiu alegria ao vê-lo; na morte não se
entristeceu, nem teve de envergonhar-se diante dos inimigos;
Deixou um defensor da casa contra os inimigos e alguém
que retribua os favores aos amigos.
Quem mima o filho deverá tratar-lhe as feridas e, a todo
gemido, suas entranhas se
perturbarão.
Cavalo não domado torna-se recalcitrante: filho indisciplinado
torna-se atrevido.
Mima teu filho, e te causará medo; brinca com ele, e te
entristecerá.
Não rias com ele, para que não sofras e não
venham, no fim, a embotar-se teus dentes.
Não lhe dês poder na juventude, nem dissimules os
seus erros.
Dobra-lhe o pescoço enquanto jovem e bate-lhe nas nádegas
enquanto criança, para que não venha a obstinar-se
e a não atender-te, e não venhas a sofrer em teu
íntimo por causa dele.
Ensina teu filho e ocupa-te com ele, para que não venhas
a sofrer com a sua depravação”.
Depois da leitura, ainda fez uns arremates:
- Ouve as palavras de Deus, meu filho.
Eu tinha sete anos. Depois de apanhar tanto, ouvir a “palavra
de Deus” doeu mais ainda em cada ferida de minhas costas.
Que Deus cruel era esse, pensava comigo. Mas contive-me, senão
seria pior. Passei uns dias zangado, não queria falar com
ninguém. Estava revoltado. Como alguém poderia achar
que se educa batendo, espancando. Eu literalmente fui espancado
por minha mãe. Em nome de Deus.
Cresci. Tornei-me um homem, sem crença, sem fé.
Mas nunca deixei de amar a minha mãe nem esqueci aquela
surra. Fez-me enxergar o mundo de outra forma.
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