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Marcio Tadeu Vieira da Silva
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Mofo




Abri a porta do quarto e o cheiro costumeiro de mofo veio me receber. O quarto estava imundo, já era manhã e eu não ia perder meu precioso tempo a limpar aquele lugar. Um cheiro pior vinha do banheiro. Aquele velho veado retornou todo o vinho vagabundo que havia bebido em meu vaso e sequer deu descarga. Vagabundo! Chifrudo! Velho corno!
Mas não vou limpar isto agora não, preciso dormir, preciso repor minhas energias, outra noite pesada vem aí. Tento deitar fingindo não sentir o cheiro do banheiro. Evito olhar para o mofo, que em seus olhos de filho bastardo me fixa profundamente, me corroem com pequenos vírus que me oferta a todo instante. Agora tento evitar ver o mofo, mas... esta velha bandida, Dona Senhorinha, moradora do quarto ao lado começa a berrar:
- Você pode até tentar receber meus três aluguéis atrasados, mas a sua vida será um verdadeiro atraso. Acha que não sei de seus podres? Vai ser eu saindo com a mudança e você entrando em cana. Safado! Respeite os de idades, some daqui e não me ameace de morte não.
Velha desgraçada! Nunca me dá paz! Sinto que o mesmo mofo de seu quarto é o que atravessa a parede e vem me visitar. Mofo de velha ranzinza, alcoviteira, torcendo sempre para você se dar mal. O que eu faço com este mofo? Ele é como um espião daquele inferno no meu quarto, quer saber o que faço, com quem me deito, quando choro ou mesmo quando dou gargalhada. Preciso remover isto daqui... Mas estou tão cansada! Mas é impossível conseguir descansar com esta velha surtando, com este mofo me fuzilando, com este fedor do vaso sanitário. Vou dar uma volta.
Algumas meninas já estão de pé, algumas mais jovens desfrutando o ápice da beleza e oportunidade para ganhar dinheiro. Outras nem tanto, outras totalmente decadentes que estão ali só para rapazes com pouco dinheiro e sem nenhum interesse em olhar para o rosto da parceira durante o ato sexual.
- Quer dizer que a senhora vai se mudar daqui? Vai deixar suas amigas?
Amigas!!! Pensei, é o inferno aquelas amigas.
- Não tem nada certo não.
- Mas ele é casado e tem família?
- Tem.
- Um dia vi ele com a esposa e os filhos, que família linda!
- Engula sua inveja, sua vaca vagabunda, quantas famílias lindas você desfez. Suas piranhas, sem vergonha. Me deixem em paz.
"Nossa! Mas não falamos nada!" ficaram as hienas comentando.
Voltei para o quarto. O mofo atravessou a parede do quarto de Dona Senhorinha para o meu quarto e agora está começando a se fixar em minha alma. Não era tão prejudicial assim, mas está se alastrando. Minha alma está se tornando um criadouro de bactérias, minhas palavras, tal como uma asma ou bronquite afiada, faz com que as pessoas que gosto precisam se manterem distante. Preciso limpar este mofo, como preciso, mas tenho preguiça, trabalho muito, fico cansada.
A tarde ele vem me falar pra fazer as malas que havia alugado um quarto melhor pra mim, no centro. Fico cheia de esperança. Não sei com quem vou dividir meu quarto, não sei como serão as pessoas, ele prometeu que não tem mofo no quarto, poderei continuar atendendo outras pessoas também, principalmente por ser no centro. E principalmente, preciso abrir a alma, mesmo com tudo de mais podre que faço, preciso abri-la, pois o sol é um dos maiores inimigos do mofo.

   
Conto publicado no livro "Contos de Verão" - Edição Especial - Abril de 2014