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Raimundo Sampaio Costa
Aracaju / SE

 

O dia que Fulano de Tal transmutou




Todo mundo se calou. Ninguém ousava emitir o menor ruído diante d’uma situação das mais inusitadas.
De repente ouve-se aproximando ao longe, uma romaria entoando a canção dos amores dignos das odisséias e das serenatas de outrora. Todo mundo queria entender porque tanto lamento e tanta sofreguidão. Ninguém se atrevia a quebrar o silêncio da noite. Em certas horas da madrugada alguém trespassou o silêncio noturno vagueando pelas ruas do sem fim praguejando a vida em solidão.
Ninguém entendeu porque o rádio do transeunte tocava de modo sublime uma música cantada certamente, por Nat King Cole. Apesar dos curiosos se aproximarem da figura do fulano de tal, sei lá, podia até ser beltrano, ou sicrano a vítima do epílogo.
Sorrateiramente, o transeunte apesar de sua atenção voltada para o seu melodioso Blue, no entanto, todo mundo se ateve ao som emanado do aparelhinho de acordo os solfejos emanados da singela música “Nature Boy”. Haja reflexões.
Para agravar o estado de embriaguez, a música, aos poucos foi tomando conta daquelas pessoas em estado de apreensão. Realmente, não soubemos decifrar o que mais levava os presentes há se atinarem naquele momento; se a preocupação com o estado melancólico do fulano de tal, ou se deixarem absorver pela languidez da música do transeunte.
Todavia, podia-se notar o reconhecimento que todos se encontravam diante de um momento sublime. Concomitantemente, ficamos com dúvidas de como analisar a realidade do quadro.
Todo mundo se olhava, todo mundo se correspondia olho a olho no intuito de emitir alguma palavra que pudesse explicar aquela embaraçosa situação. Difícil, pra todos, foi ter que entender o que ninguém podia decifrar. O fulano de tal aportava em suas mãos uma longa carta de amor, que mais parecia uma epístola.
Certamente, daria quilômetros de distância se alguém tentasse desenrolar ou traduzir a criptologia do pergaminho nas mãos da criatura. Só à ele lhe era dado o direito a leitura tradutora. O seu pequenino rádio de pilha não tocava mais em alto som, pois as baterias, (as do gatim), começavam a se esgotar. Ainda dava para se ouvir de Vinicius, na inconfundível voz de Elizete Cardoso, a Canção do Amor Ausente.
De repente, aí foi que o drama aumentou de modo exorbitante. As emoções foram compartilhadas por todos de um modo alucinante, que o descontrole geral perdeu as rédeas. Podem acreditar, todos caíram num pranto profundo de causar comoção. Nunca vimos maiores lamentações tão generalizadas por seres humanos aparentemente, decaídos.
Pra lhes falar a verdade, não conseguimos ficar alheios com tão grave situação diante, das histórias e estórias passionais de cada elemento ali presente. Por sinal, os homens eram os que mais demonstravam insustentabilidades emocionais. Dignos de pena! Caímos num pranto e num lamento profundo, remetendo-nos às lembranças dos nossos amores perdidos, nas esteiras do tempo e no desespero de não ter como resgatar o que se fora pelas eras sem fim.
Teve gente que se atirou em nossos braços pedindo auxilio maior para sua causa. Eu vi gente correr ladeira abaixo numa desabalada de enlouquecer no desejo de se atirar num precipício qualquer.
Teve gente que bradava por Erus, como se ele naquele momento pudesse atender a todos em suas lamúrias. Certamente, os Deuses do Olimpo pretenderiam arrebanhá-los para os seus campos de fertilidades divinas.
As pessoas embevecidas pelos resgates das paixões mal entendidas gritavam alucinadamente, pelo nome de seu amor querido. Eu vi gente carregar fardos de tristezas querendo sufocar na ilusão de uma vida em contraste com a sua desventura.
Pior, fora testemunhar gente construindo escadas, para subir aos céus, no intuito de buscar nos mundos cósmicos aqueles, que na Terra, se amaram tanto quanto aqueles seres que com grande amor renasceram na ordem dos gêmeos e, de uma semelhança tão confundível, de causar espanto. Pensamos, até xifópagos.
Mais teve muita gente, que se atirou mar a dentro, mesmo, sem do nadar, nada saber em busca de Netuno, Poseidon ou um Deus marinho qualquer, na certeza, que suas braçadas ofegantes pudessem sensibilizá-los no sentido de suas presenças salvadoras.
Também, vimos um grupo de desesperados recitar, o Lago, de Lamartine com tanta eloquência, que pensamos ressuscitarem as grandes almas que nos arroubos das paixões acabaram com suas vidas, em gestos tresloucados do amor.
Aquelas almas que morreram por amores na contingência, das odisséias, dos tempos em que os corações se davam à pureza verdadeira do amar.
Quando algumas pessoas perambulavam em seus pensamentos obstruídos pelas ocorrências do inusitado dos açoites, de suas vidas em leilões, cada qual, de certa forma, procuravam demonstrar através da postura corpórea a lassidão que assoberbava suas entranhas. Percebemos que algo estranho havia acontecido. Do fulano de tal, apenas, as suas vestes surradas pelo tempo se encontravam no lugar do qual ele havia se postado.
Dos céus, presenciavam-se as nuvens entrarem em convulsão admirável. Uma chuva colorida de quem sabe do efeito miraculoso banhava nossos prantos querendo com certeza lavar nossas lágrimas de emoções pelo momento do inusitado acontecimento.
Da música celestial, nunca jamais, se teria ouvido coisa igual. Também, as nossas visões como seres ainda em formação não haviam como traduzir, a porção lírica da sonoridade.
Todo mundo exclamava de modo absorto sobre o porquê do clarão da Aurora Boreal permanecer iluminando, a essência de “Fulano de Tal”, que certamente, por amor, hauriu aos planos cósmicos em recentes transmutações.
Antigamente, tudo era possível de acontecer.
Ninguém sabe, o porquê.



   
Conto publicado no livro "Contos de Verão" - Edição Especial - Abril de 2014