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José Antonio Silva Santos
Rio de Janeiro / RJ

 

A quebra da maldição das Bruxas


      

   Lucivera saiu de uma área rural de Uruguaiana-RS, para tentar a sorte num trabalho em Porto Alegre, logo ao chegar conheceu João Paulo, e foi amor à primeira vista. Ele, recém formado em agronomia, estava de partida para o interior do estado, fins trabalhar nas terras de seus pais, e não foi necessário muito esforço para convencer a morena a desistir da cidade grande e ir com ele.
   Após dois anos de luta, João Paulo desistiu aquelas terras pouco produtivas, resolveu vende-las e abrir um pequeno mercado, o que também não foi tão lucrativo. Veio a primeira gravidez de Lucivera, onde no quinto mês foi diagnosticada má formação do feto, seria necessário um aborto. A mãe se recusava aceitar a perda do bebê, e num ato de desespero, foi procurar uma benzedeira, que na verdade praticava todo tipo de bruxaria, e colocou o destino de sua menininha nas mãos daquela velha Bruxa, que passou sua maldição para a menina, após garantir a Lucivera que a sua proteção seria por mais duas gestações. A menina que recebeu o nome Lúcia, seguindo as orientações da tal benzedeira, a mãe teve mais duas meninas num período de três anos, todas com a herança maldita. Quando a filha mais velha completou doze anos de idade a família partiu para o Rio de Janeiro, com esperanças de dias melhores nas terras que João Paulo recebeu de herança.
   As meninas se tornaram lindas mulheres, e a cada ano elas se tornavam mais poderosas, mais ricas e mais perversas também. Elas construíram uma grande casa longe dos olhos dos pais, o qual era conhecido como “A Mansão”, que funcionava como prostíbulo, grande parte das meninas da região eram escravizadas sexualmente pelas bruxas, e acabavam sendo abandonadas pelos pais, algumas famílias abandonavam também suas casas para fugir que suas filhas tivessem daquele mesmo destino. Alguns homens eram totalmente dominados, a ponto de muitos irem à falência por darem o que tinham de valor, como casas, carros, jóias, todo tipo bens, às vezes por uma única noite de prazer com uma das irmãs, principalmente com Lúcia, que comandava aquilo tudo. Os que não tinha dinheiro pagavam com seus préstimos nos diversos tipos de serviços sujos, inclusive e assassinatos.
   Ao tomar ciência do tipo de vida que as filhas levavam, Lucivera tomou coragem para revelar ao marido que o milagre que ele tanto agradeceu, era na verdade uma maldição. Então ele foi atrás da tal bruxa, e descobriu que ela faleceu no mesmo dia que sua filha caçula nasceu.
   João Paulo procurou conhecer um pouco mais sobre os poderes das bruxas, cada descoberta lhe mostrava o quanto seria difícil combater aquela maldição sem colocar em risco as vidas das filhas, além do risco para própria vida, tendo em vista que elas não tinham amor por ninguém. Ele descobriu que a única maneira de derrotá-las seria agindo na raiz do problema, no seu entendimento, a raiz era a velha bruxa.
   João Paulo conseguiu um aliado importante na mansão, o jardineiro Almir, casado com a cozinheira Maria, embora tivessem um ótimo salário e serem bem tratados pelas bruxas, não gostavam do que viam acontecer com as filhas de amigos e parentes, as meninas viviam numa espécie de transe, consumiam muito álcool e todo tipo de droga também, a grande maioria não passava dos dezesseis anos de idade, e só tinham sexo na cabeça, inclusive entre elas mesmas, era comum vê-las se agarrando pelos corredores, agiam como animais no cio. Certa vez, uma das meninas ficou grávida, então Almir percebeu o estado de pavor que Leila ficou ao tocar na barriga de uma grávida, parecia que algo poderia feri-la, isso o fez lembrar dos filmes de vampiro, onde o hematófago se enfraquece diante de uma cruz, água benta, entre outros. Os gritos de pavor das irmãs tiraram a jovem do transe, que parecia não saber o que fazia naquele lugar, nem porque usava aquele tipo de roupa, se é que pode se chamar aquilo de roupa. Então Lúcia mandou imediatamente um dos seus “capachos” sumir com a jovem. O mesmo aconteceu com mais cinco jovens que também ficaram grávidas. Algumas abandonavam o filho logo após o nascimento e voltavam para mansão.
   Lucivera acordou numa manhã chuvosa e confessou ao marido que a culpa era dela, pois foi a sua vontade de ser mãe que colocou as filhas naquela situação. Quando João Paulo se preparava para consolar a esposa, veio a sua mente, “essa é a origem da maldição”, explicou a mulher o seu raciocínio baseado nas informações de Almir. Tudo começou quando ela quis mudar a natureza, o mal havia sido instalado em seu ventre, então o bem combateu aquele mal, e quando ele seria expulso, a mãe impediu com a sua súplica feita para aquela velha bruxa, então foi exercido o seu livre arbítrio. Todas as noites a mãe se ajoelhava em oração pedindo perdão por ter colocado a sua vontade acima de tudo.
   Certa noite, ao se deitar, sentiu desejo pelo marido como não acontecia a muitos anos, então amor voltou aquela casa e, estranhamente, uma luz jamais vista iluminou o quarto do casal. Lucivera sentiu uma mistura de prazer e dor, foi como se algo tivesse sido arrancado de seu útero, e sem que eles soubessem, uma nova vida foi fecundada naquele momento.
   Na manhã seguinte, Leila e Laura caíram num sono profundo, onde todas as tentativas de acordá-las foram em vão. Lúcia sentiu que havia sido derrotada, e aquele corpo que ela se apoderou ainda como feto, era uma questão de pouco tempo para perdê-lo, então precisava se transferir para outro, mas seria necessária a permissão da pessoa. Então o mal foi vencido, o corpo de Lúcia se inflamou espontaneamente se transformando em pó, que foi levado pelo vento.
   Após sete dias num sono profundo, as duas irmãs acordaram sem se lembrar de nada que havia acontecido, nem de Lúcia elas lembravam, então a família deu a versão mais apropriada para a situação, e se mudaram para o interior da Bahia, onde finalmente a família encontrou a felicidade, e a origem daquela real felicidade se chamava João Paulo Junior.


   
Publicado no livro "Contos de Verão" - Edição Especial - Março de 2015