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José Luiz da Luz
Ponta Grossa / PR

 

  Johnny Love

   

   Entre o bem e o mal a escolha deveria ser fácil, pois são sendas opostas, mas não é bem assim. Nem sempre a vontade do corpo obedece à vontade do espírito. Catherine era um anjo de bondade, mas às vezes era uma fúria. Diferente das outras meninas de sua idade, enquanto elas queriam a serenidade da praia, ela preferia os penhascos para refletir vendo o choque das águas nas pedras. Ela dizia a quem perguntasse:
          — Praia é uma coisa insípida, o vagar das ondas me dá sono. Sou daquelas que preferem a fúria.
          Era assim: nos conflitos da vida, quanto maior o problema mais fundo descia. O tumulto das águas era um reflexo do seu estado interior. Garota de quatorze anos, veio da França ao Brasil num intercambio cultural, deixara as fadas para despertar nas cordas bambas do mundo. Amava intensamente Johnny Love, codinome de um jovenzinho parisiense que também estagiava no Brasil.
          Depois de um triste beijo Catherine se despediu no aeroporto, seu amado terminou o estágio antes do previsto e tinha que voltar:
          — Sou uma flor em botão, menina no corpo, mas de alma perfumada. Eu me guardarei para ti, pura e linda para florescer e revelar meu perfume como mulher numa explosão de amor. — Naquela tarde um vazio invadiu seu peito. O perfume dele acabou-se em instantes, mas, seu aroma ondulava ainda na lembrança. Todas as reminiscências e todos os sonhos provocavam um gemer de tristeza.     
           Na manhã seguinte entre as vozearias da escola, distinguiam-se alguns comentários sobre a precoce partida de Johnny Love. Johanne, uma das garotas, confidenciou-lhe que estavam preocupadas com a viagem, não era simples boato: havia um fato.  
            — Uma tragédia! — disse Johanne. — Foi reportado na TV que uma aeronave caiu no mar da França sem sobreviventes, temo que seja a de Johnny Love que decolou do Aeroporto Tom Jobim do Rio de Janeiro.
          Catherine enjoada pelo pânico, entre o bem e o mal preferiu pensar que se tratava de uma brincadeira de mau gosto. Jamais aceitaria qualquer dor com seu amor. Evitou chorar. Parecia pálida.
          — Tola! Esta foi uma idéia idiota.
          — Tens quatorze anos e ainda deliras? — disse a garota. — Tens idade para começar a ser madura.
           Catherine saiu silenciosa, um silêncio que revelava seus pensamentos revoltos. Como custava conter-se. Aquela tensão lhe causou náuseas, saiu pela orla e logo estava descendo um penhasco diferente dos anteriores, era distante e negro. Num êxtase de tédio ficou horas olhando as ondas do mar explodindo nas pedras, foi uma visão de gozos malditos: imaginava aquela garota sendo arremessada contra as pedras. Vingança era o que mais planejava.
          Entardeceu, calculou que Johnny Love já estaria em sua casa em Paris. Pegou o celular, mas não havia torre, queria tanto dizer: “eu te amo.” Depois de algumas tentativas, a bateria acabou.  
          O medo de perder Johnny Love criou um caleidoscópio de ilusões: pareciam se encaixar os rumores de um avião que caiu com o medo de Johanne! E se Johnny Love realmente estivesse morto? Relutou contra aquela ideia, não queria saber. Ou melhor, queria saber, mas não suportaria. Seria menos dolorido atirar-se no penhasco.
          Pensou retornar antes da noite, mas cortou o pé na aresta de uma pedra e caiu, daí um pranto se derramava. Queria morrer! No delírio da dor e amor gritava por Johnny Love, só o mar respondia com sua fúria. Quando pensou que iria morrer sozinha um estranho aventureiro apareceu:
          — Por que esta melancolia?
          Era o que temia: desceu um homem apenas de calção de fibras de paina trançadas. Ela era como uma presa abatida, restou-lhe manter a calma.
          — Choro por amor e ódio.
          — É normal para uma adolescente.
          — Amor por Johnny Love e ódio por uma garota — naquela fúria nem se importou que fosse um estranho e contou tudo para extravasar. — E tu, o que fazes aqui?
          — Sou indígena e vivo negociando flores.
          Achou um absurdo e não conteve a ironia ao falar:
          — Penhascos são para os corajosos ou deprimidos, e ninguém quer flores. Vendes para quem?
          — Também são para os pássaros, borboletas, etc, e para os que sonham. Vemos como parques de diversão. Ademais, não disse que vendo, disse que negocio. Eu adubo a terra, com meu canto atraio aos pássaros, borboletas, etc, em troca eles polinizam as flores e todos nós comemos os frutos. Depois espalham as sementes onde eu não alcanço, novas árvores brotam e a natureza ganha.
          Catherine se impressionou, estava certa de que o indígena conhecia magias. Deu um suspiro para se encorajar, depois pediu que fizesse uma magia para sua vingança.
          Depois de ser socorrida e levada a uma cabana, ele sumiu, três dias se passaram, já pensava em ir embora quando voltou trazendo uma flor de lis e um galho espinhento de roseira.
          — Estão preparados — disse ele. — Quando te encontrares com tua vítima, deves saber que a flor de lis deve ficar com a pessoa do bem, e o galho com a pessoa do mal.
          Era obvio que daria o galho para Johanne, para que não estranhasse diria que era para plantar. Perguntou o que acontecerá a ela:
          — É segredo, só direi que sentirá um choque — respondeu o indígena.  
        Quando voltou à sua república ouviu vozes inquietas, antes de abrir a porta reconheceu a voz de Johanne e o choro de um rapaz. Ao entrar pareceu que saiu das agonias da vida para entrar no mundo dos sonhos: estava lá Johnny Lovesendo acalmado pelas amigas.
          — Graças à Deus — disse Johanne. — Te procuramos pelos penhascos que costumas ir e nada, então ligamos para Johnny Love para saber se voltaste sem nos avisar, e por amor e aflito ele voltou.
          Johnny Love abraçou-a num intenso amor.
          — Para quem é esta flor de lis e este galho? — perguntou Johanne.
         Catherine em choque respondeu:
          — A flor de lis é para você, e o galho é para mim — e pôs-se a chorar.

 

 

 

 
 
Conto publicado no "Histórias (incríveis) da meia-noite" - dezembro de 2016