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Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

  Não entres tão depressa nessa noite escura

   

 

Hoje o narrador deste rápido episódio, em forma de crônica distraída e de conto sem saída, segura numa folha em branco de papel e começa distraidamente a escrever. Reconhece que está sendo conduzido por uma leve outra mão sedutora de imagens e escavações...
Ao segurar a caneta se entrega ao vácuo sentido que medeia os sons, as formas e todo o movimento mental, físico, vibratório e fenomenal, metafísico e densamente literário. Escreve tomado pelo acaso, e na desordem de uma ordem transversal começa o seu texto sem se preocupar com a textualidade tradicional dos invejáveis escritores. Escreve com a simplicidade monológica e dialógica, somado por um ritmo perdido de uma escrita descritiva e laboriosamente confortável, pois, desta vez, o narrador, sem ensaio ou prontidão de escrita, inicia seu texto em forma de um Fado Alexandrino ou em forma de Tratado das Paixões da Alma no Conhecimento do Inferno tecido por uma Memória de Elefante que se decifra pela Explicação dos Pássaros que O Esplendor de Portugal reinou nA Ordem Natural das Coisas, nas margens da experiência contada em D’este Viver Aqui Neste Papel Descripto: Cartas da Guerra...
O narrador, entusiasmado, sente-se seduzido por uma cultura carregada de ventos mnemônicos, signos literários expressos em imagens históricas de uma terra cheia de encanto, sonho e magia, interpelada por dor, devaneio e conflitos. Num instante soprano e divino, o narrador se entrega à terra amada, lusitana, covilhanense, escrevendo um Terceiro Livro de Crônicas que dê à memória o caminho trilhado pelo romancista que faz da literatura um rio vivo, cheio de águas em movimento...
O narrador, ensimesmado, revê sua vida e, de repente, percebe que O Arquipélago da Insônia que transformou a sua existência o faz recordar d’As Naus que desbravaram longínquas terras de retornados d’Os Cus de Judas da África sofrida, gigante e bela. Mas, ele, o consciente narrador, que quase tudo vê, despede-se da manhã ardente de sol e dá Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo, reconhecendo sua incompletude leveza diante da Exortação aos Crocodilos que invade o seu vasto mundo fixo e identitário.
Não dorme, pois sua alma está inquieta com a história contada por finos tecidos de crônicas que adicionam tempos, vidas e lugares, divagações, construções e contradições de homens banhados por ilusões, que pensam dominar outros com os seus gordurosos olhos imperiais, sem perceberem que o tempo traça tudo nas horas mais incertas da vida. O narrador consegue com a sua audível sensação, ouvir a voz de um Lobo português a dizer:  – O Meu Nome é Legião. Meio tonto e atento, o persistente narrador entende que essa assustada afirmação representa de montão o pobre Zé Mundão, pois entende ele que ao ouvir tamanha sentenciação o bloco se desmancha da estrangulada arrumação, pois este pensamento ultrapassa os limites da fixação e da identificação, sendo muitos os degredados da ingratidão que homens plantaram na história de sobreviventes da razão. E o incansável narrador, em sua entrega à devoção da emoção, entende que a literatura é a dança que faz o mundo movimentar em tantas e múltiplas direções...
E em seu lírico sorriso, assim jocoso, meio perdido, mas achado em meio a tantos detritos, escuta, de longe, a voz de alguém que pretende ecoar na imensidão de variadas vozes que explodem a calçada em cores de montão:
Ontem Não Te Vi em Babilônia. A legião de signos estavam a explodir as normas que estruturam a indecifrável memória, localizada sob a errante fissura de traumas dispersos que apoderam de corpos e reinventam sujeitos na margem da angustiante aprendizagem da dor. Bombas idealizam seres de plásticos e de algodão, criando discursos feitos de vozes que jamais serão ouvidas, mas estão presentes a dizer:
Que Farei Quando Tudo Arde? Uma rodopiante voz embriagada por um conjunto torturante de vozes ecoava nas cantinas e nos quintais da grande e alucinada multidão. O Manual dos Inquisidores será a grande e inesquecível lição dada nas apagadas aulas de Histórias da Ficção, ensinando-nos que ainda somos os mesmos e vivemos a cavalgar com as mesmas armas dos violentos fantasmas que assustaram nossa Tradição. Somos os novos inquisidores de um mundo aprisionado por formas e imagens carregadas de putrefação. Podres poderes da devastação pós-moderna, líquida e movente.
E assim, quando tudo realmente terminar. Quando eu deixar de escrever ou de poetizar a vida como ela deve ser e não consegue ser, Eu Hei-de Amar uma Pedra, uma sólida pedra que em forma de Auto dos Danados possa eu, o narrador visível a olho nu, não ter a mesma morte d’A Morte de Carlos Gardel, porque a mim foi reservado uma saída repentina e sem aviso prévio, como um poeta que jamais precisará morrer porque se fará sempre presente por meio de seus eternos versos na boca de tantos e diversos vivos leitores. O poeta que narra em seu imenso fingimento imaginário e removedor de feridas aprenderá, também, com o grande prosador e fonte de inspiração e criação, o Lobo voraz da Literatura afiada por uma língua sobrevivente, o romancista que sabe de forma sábia e completa, sem rodeios e devaneios, alertar a humanidade, o narrador e o caro leitor, com a seguinte assertiva e precaução:
Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura, ok!

(Homenagem ao romancista português António Lobo Antunes)

 

 
 
Conto publicado no "Histórias (incríveis) da meia-noite" - dezembro de 2016