Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

  Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

  O sino da meia-noite


               

- Nona, por que as boas histórias sempre começam com... "Era uma Vez..."?
- É porque elas encantam.
- Nona, hoje está chovendo, conte uma daquelas histórias bonitas para nós.
Fazia um friozinho gostoso. As crianças acomodaram-se nos sofás cobriram-se com as mantas de lã.
- Vou contar uma história que aconteceu lá pelas bandas dos Pampas do Rio Grande do Sul.
"Um estancieiro tinha três filhos. Na Casa da Fazenda ainda conviviam mais três crianças. Cuidava ele de todas com muito carinho. Passaram a ser afilhadas queridas. Não fazia distinção. Eram as crianças e isso bastava.
A família era carinhosa. Bem cedinho o sino tocava, com um badalar, alegre, festivo. Cada tom da campana é responsável por uma nota, de melodia diferenciada em certo instante do tempo. As crianças acordavam com os primeiros raios de Sol. Levantavam, escovavam os dentes, lavavam o rosto. Arrumavam a cama bem direitinho, a colcha sempre bem estendida. O pijama dobrado embaixo do travesseiro. Quando chegavam à cozinha recebiam um beijo de bom dia. Tomavam café em volta do fogão à lenha feito de tijolos. O café era farto. O leite recém-tirado, sempre um bolo gostoso. Deliciavam-se com o pão assado no forno de barro. Mais uma broa de milho, o queijo feito em casa, a geleia ou a chemia, também produzida, por eles, no tachinho de cobre. Um salame ou, às vezes, ovos mexidos.
Bem alimentados partiam para a escola. A sala de aula ficava na fazenda mesmo. O professor tinha todas as turmas. Estudavam os filhos do fazendeiro, junto com os dos peões. Todos aprendiam as noções básicas de matemática, história, geografia e biologia.
As aulas de leitura e escrita eram bem caprichadas. Quem não soubesse escrever, falar bem não podia ser um bom cidadão. Já eram aulas práticas multidisciplinares.
Nos dias de marcação as crianças eram responsáveis pela numeração de quantos animais foram marcados. Quantos animais de cada idade. Nas vacinas o mesmo processo. Aprendiam e usavam o aprendizado. Quando uma boiada era vendida elas precisavam calcular o valor, o peso de cada animal. Calculavam o tempo de gestação depois que as novilhas tivessem cobertas.
Ouviam o Repórter Esso, precisavam contar ainda escrever uma das notícias sobre o Brasil. O professor fazia-os expressarem a opinião para aprenderem além de falar emitir pareceres. Além da história oficial trazida no livro sabiam da história de cada um. As aulas de geografia foram especiais. O Sol como ponto de referência O mudar das estações pelo tempo do dia, pelo movimento dos animais. O Cruzeiro do Sul, apreciado, decifrando a posição na abóbada celeste nas diferentes épocas do ano.
Na Capela da Fazenda, quando havia celebrações, as crianças faziam as leituras, preparadas de acordo com o tempo litúrgico. Tanto as meninas como os meninos apreendiam juntos. Respeitavam-se, tinham direitos e deveres de acordo com idade de cada um. Antes do findar da aula agradeciam ao Criador pela vida de cada um, pelas boas colheitas. Agradeciam ao professor pela aula dada e pela família que tinham. Recebiam aulas também no sábado para compensar o tempo das tarefas que seriam desenvolvidas em casa. Se houvesse uma atividade extra a aula seria em outro horário.
A vida se desenrolava como deve ser com trabalho, estudo, agradecimento em harmonia.
À tarde, cada criança tinha uma tarefa para fazer. O cuidado com um animal ou verificar o monjolo para fazer a quirera ou ainda cavalgar pelos campos em busca de animais feridos. Não se esqueciam de por sal no cocho. Depois da tarefa cumprida elas brincavam. Criança, precisa aprender também brincando. São atividades que ajudam o desenvolvimento criam laços e ensinam a conviver.
À noitinha tinham aula de música, com as cantigas de galpão, apreendiam a tocar um instrumento, a tonalidade da voz. Noções básicas de musicalidade.
Sabiam que cantar faz bem, encanta a alma, como também se é agraciado com amigos. Era uma vivenda especial. O carinho, o amor, o respeito se faziam na prática.
Uma noite de lua cheia, numa sexta-feira, as crianças acordaram com o sino tocando. Era meia-noite, musicou as doze badaladas o relógio da sala de estar. Estranharam, não era a hora costumeira do tanger do sino da capelinha.
Os pais dormiam tranquilamente. Não perceberam o tilintar do sino da fazenda
Pularam da cama, foram ver o que estava acontecendo. O tilintar era mágico atraía as crianças. Enxergaram junto ao pedestal feito de pedras, onde se achava o sino, uma luz brilhante e bonita.
As crianças encantadas sentaram-se na grama orvalhada apreciaram a beleza do momento. Pouco a pouco, o cantar foi silenciando, a luz tornou-se tênue, o quadro mágico foi desaparecendo.
Permaneceram ainda, por alguns instantes, inebriadas. O friozinho da madrugada os convidou a voltarem para a cama quentinha. Na manhã do dia seguinte, felizes, relataram o acontecido. Ninguém queria acreditar. Mas como duvidar de seis crianças que contavam a mesma cena. Os olhos brilhavam, o rosto ficava luminoso. Só não sabiam dizer exatamente o que a luz projetava. Na noite seguinte foram dormir na expectativa de novo despertar. Passaram-se uns dias e nada de novo aconteceu.
Os adultos já estavam duvidando do que as crianças relataram.
Numa noite escura só as estrela brilhavam no firmamento, o badalo sonoro outra vez acordou a petizada. Atraídos pela melodia saíram de casa, nem foram verificar se os demais dormiam.
Correram elas para a luz, essa estava radiante. Junto uns seres luminosos tocavam flautas, outros cantavam embalados na mesma melodia do sino. Esse badalava sem que alguém o tocasse. Mais uma vez as criança encantadas ouviram a música, cantaram juntas. O quadro era real. Sentiram-se flutuando. Embevecidas viram a luz ir diminuindo, esvoaçando, devagarzinho para o Além como se ela tivesse sido atraída até o horizonte, onde desapareceu.
Agora, o fato ganhou proporções mitológicas. Na fazenda todos queriam saber quem vinha até as crianças? Por que só elas ouviam?
A bisavó, sábia com seus 90 anos disse:
- Devem ser os Anjos ou então uma Fada Madrinha. Essas crianças são queridas. Não brigam, estudam, trabalham, são felizes. Foram agraciadas com uma visão vinda do Céu.
Uns concordaram, outros não, acharam que a Bisa estava delirando. Enfim era o mistério do sino. Por muito tempo naquela fazenda feliz, de tempos em tempos ele se manifestava.
Em todas as madrugadas, o sino sempre repicava a sua música bonita e convidativa.
Era sempre ouvido pelas crianças, nas badaladas da meia-noite ...


 
Conto publicado no "Histórias (incríveis) da meia-noite" - dezembro de 2016