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  Anchieta Alves de Santana
Uruçuí / PI

Um presente tardio


               

       

           Foi ouvindo lembranças memoráveis da minha bisavó Maria Alves, que fiquei sabendo de histórias como a de Nazinho, um garoto humilde que morava num casebre de um lugarejo por nome Cotovelo dos Otávios.
           Filho de um roceiro de poucas posses, Nazinho já nasceu embriagado  pela rotina cansativa de sua família; e vivia  metido nos serviços braçais impróprios para ombros de seis primaveras. Seis; mas olhando bem parecia um pirralho de quatro invernos. Não teve muito tempo para desfrutar do mundo das brincadeiras e dos sonhos infantis. Não conhecia a cidade, mas, pelas conversas que ouvia, imaginava ser um fabuloso formigueiro humano; um local encantador, majestoso e divino como nos castelos dos contos de fada que, às vezes, ouvia os mais velhos contarem em volta das fogueiras que iluminavam os terreiros agrestes e espantavam o frio da pele seminua e empoeirada pelos ventos da rotina do trabalho diário. Ainda não conhecia as benesses de uma sala de aula. Não sabia bem o significado de ser estudante.
           Foi numa dessas histórias de sonhos e fantasias que ouviu, primeira vez, alguém falar que existia um velhinho bom que, em noite de Natal, deixava presentes embaixo da rede dos garotos pobres. Bastava que pedisse. Bastava que creditasse. Só não falavam onde o tal velhinho morava. Sabia apenas que ele tinha uma longa barba branca e um saco onde nunca falta presente. As ideias fizeram pirueta na cabeça do pequeno Nazinho: o que iria pedir ao bom velhinho? Como pedir? O garoto não sabia muito sobre presente. Mas, certo dia, teve uma ideia: iria procurar à sua mamãe o que pedir ao velhinho. A mãe não hesitou em orientá-lo:
     __Filho, peça uma bola. Só assim você terá um divertimento nos dias de domingo e feriados.
     __.........!
         O garoto, atento e pensativo, mesmo em silêncio, concordou com a ideia e saiu para um canto escondido e dirigiu seu pedido ao Papai Noel.
         Uma bola! Nada mais. O pequeno Nazinho já se via chutando uma pelota “de verdade”. Com certeza, ia ser bem melhor que a “bexiga de boi” cheia de ar ou meia usada cheia de trapos velhos. 
         Alguns dias depois, já bem próximo ao tão esperado dia natalino, foi tomado de assalto por um pensamento que o deixava sem muitas esperanças de receber o tal presente: não tinha rede nem cama para o Papai Noel deixar um presente embaixo. Ele dormia numa esteira surrada pelo tempo. E agora?
        Sem que ninguém soubesse, José do Mulato, ficou sensibilizado com o desejo pueril e foi ao povoado mais próximo comprar o presente tão desejado por Nazinho.
        Enquanto isso, a mãe do garoto não sabendo das ações de José do Mulato, já estava demasiadamente preocupada com o estado do filho. Agora, não era apenas a angústia pelo presente, o pequeno estava em estado febril. Já não queria se alimentar como dantes. Já não passarinhava mais aos domingos e nem soltava seu sorriso de boca cheia. Esta triste e doente.
            Como José do Mulato morava num povoado um pouco distante, deixou para entregar o presente na manhã do dia 25 de dezembro. Neste dia, pôs os arreios num burro estradeiro e seguiu para a casa de Nazinho. Estava contente; ia, pela primeira vez, satisfazer o desejo de um sobrinho. Depois de viajar por alguns quilômetros, avistou a casa do garoto. De imediato, estranhou a movimentação no terreiro da casa. Ficou cheio de interrogações. O que seria? Será que de repente, resolveram convidar a vizinhança para festejarem o Natal junto? Eram algumas das ideias que se processavam no pensamento de José do Mulato.
           Ao apear do seu burro estradeiro, quis desmaiar ao perceber que não era festa. Não. Não era alegria. Era tristeza maiúscula.
          Depois de uma conversa com as primeiras pessoas, cada vez mais apertava o presente do garoto contra o peito suado que tremulava e deixava cair lágrimas dos seus olhos quarentões; olhos não acostumados às lágrimas. O garoto que se entregou ao desejo de receber seu primeiro presente, já dormia seu sono derradeiro. Uma febre terrível varou aquele peito juvenil indefeso e destruiu um paiol de sonhos e fantasias. Mais fantasias do que sonhos; mais sonhos que realidade.
         José do Mulato aproximou-se do pequeno caixão fúnebre e timidamente beijou a face descorada de Nazinho. Em seguida, pôs a pequena bola ao lado daquele corpo franzino. Franzino e agora esvaziado de vida. Corpo ideal para os dribles moleque em terreiro de chão batido.

 

 
Conto publicado no "Histórias (incríveis) da meia-noite" - dezembro de 2016