Arthur Danzi Friedheim Tenório
Recife / PE
Dilema do cativo
- Não brinca, essa coisa não tem só
sete anos.
Fato é que o tinha, não fosse que não podia
ter. O leitor recifense sabe do que falo: a Torre de Brennand,
aquele obelisco rijo no Cais da Alfândega que de torre,
nada tem. Pois imagina tu minha surpresa ao saber que contava
só sete anos; não que atinasse deveras com as peculiaridades
arquitetônicas das épocas, mas custava-me crer aquele
absurdo por dois motivos. Primeiro, tinha o obelisco a austeridade
da velhice, conquanto ostentasse a unidade destoante do moderno;
um vislumbre e vem à mente - escusa-me o vocábulo
- um cacete; dois e faz-se o sublime. Não é este,
afinal, o encanto da modernidade? Fica o leitor com a reflexão,
eu me preocupo com o segundo motivo: tinha a coisa sete anos;
eu já contava dezesseis. Se não estivera sempre
ali, se figurara-se ausente por nove anos desde minha aparição
primeira, ter-se-ia que por dez anos ignorara eu o seu não
ser. Imperdoável! Não ter com a beleza é
equivalente a não ter com sua falta, e ambos são
assaz graves.
Já imagina o leitor que ponderação martelou-me
o trapézio da consciência no caminho para casa. Antes
não tivera eu com a não presença; agora,
custava ter com a verdade. Descobrisse um cativo da caverna de
Platão que seu mundo fugia à luz, teriam os demais
crido-o? Imagine que sequer fossem-lhes de conhecimento as sombras
e os ecos: pobre e elucidado cativo! de nada lhe serviria a descoberta.
Pois eu nem assistia às sombras nem discernia os ecos,
estive de todo absorto. Tudo isso entre dois beijos: o da vida
e o de Eduarda.
- Não brinca, essa coisa não tem só sete
anos, articulara eu entre um beijo e o seguinte. Outro, e muitos
mais depois dele… Não tive tempo de ruminar.
- Tu não conhece mesmo essa cidade, né. Cê
já ouviu falar em carnaval? gracejou ela uma última
vez. Cedíamos ao impulso que move todas as coisas, objetivo
e condição fundamental à criação.
Outro, e muitos mais depois dele; sem tempo para ruminar.
Despedimo-nos e nada mais falta à semente da perplexidade.
Em meu curso agarro o dilema do cativo, matuto na descoberta;
recuso ter com ela, a Dona Verdade: memora-me Eduarda. Como era
linda Eduarda! Pra lá com teu romantismo: era incasta sua
beleza; incasta e em brasa. Ardia como fogo que, da nascente de
Éfeso, se acende com medida e se apaga com medida. Conheci-a
num… Não, cuida seguir adiante. A esta altura, atinjo
o portão de casa onde aguarda a Dona minha algoz: ofusca-me
a luz, sobram às costas as sombras e os ecos. À
custa do final feliz, atino com a cruel verdade dos fatos: pelo
caminho, ignorara eu as belezas e suas faltas - abstraíra
outra vez.
Abstraíra outra vez! Infeliz obelisco, assento mui justo
dedicar-te este conto. Mas por falar nisso, é natural que
o leitor crítico já esteja a esbaforir-se que isto
não é conto - uma crônica talvez, ele admite,
mas conto não é. Não o culpo, leitor atento!
também isto me foi ensinado, e todavia estava certo o Mario
de Andrade. Conto, leitor, é tudo que o autor chamar de
conto.
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