João
Francisco Lins Maciel Borges
Belém / PA
O imbróglio do bolsa preguiça
No Brasil, o calendário eleitoral é
um evento bienal. É uma gastança pública
descarada, verdadeira farra com o dinheiro público proveniente
de imposto confiscado do suor do trabalhador, além do festival
de propostas e promessas escalafobéticas.
Candidatos de todas as correntes e procedências, com suas
caras devidamente lustradas com óleo de peroba, apresentam,
com a maior naturalidade, suas propostas mirabolantes de efeito
pirotécnico que dão inveja aos maiores mágicos
ilusionistas do mundo. Se eleito for, vou zerar a inflação,
distribuirei leite gratuitamente a todas as crianças, o
pobre não pagará transporte coletivo, vou dar uma
casa a cada um que votar em mim, e neste diapasão seguem
as promessas mais cretinas possíveis. Como este ano é
também de eleição presidencial, então
as promessas vão mais além da imaginação
hitchcockeana.
Tudo corria bem com as bolsas e auxílios criados e mantidos
pelo governo federal. Claro, o ideal seria oportunizar e otimizar
a educação, a saúde e o emprego, mas, infelizmente,
o nosso PIB está mais encolhido que mendigo com frio ao
relento.
Inocência possuía três filhas de seu ajuntamento
com o catador de lixo Amantino. Viviam na faixa de extrema pobreza,
lutando contra tudo e contra todos, até que foram aquinhoados
com o benefício do programa Bolsa Família, recebendo
mensalmente a quantia de setenta reais que sequer dava para se
alimentarem. Todos moravam em um barraco improvisado nos fundos
de um extenso terreno baldio na periferia da cidade. Não
eram invasores, pois contavam com a anuência do seu proprietário,
de quem também ganharam de presente um televisor com imagem
em preto e branco que foi ligado numa tomada resultante de um
“gato” da fiação elétrica da
rua.
Inocência era uma mulher de beleza incomum, sempre sorrindo,
embora sua alma estivesse chorando pelas agruras da vida. Vivia
de inhapa para ajudar no “orçamento” do lar
e na criação das três filhas. Amantino era
de pouca conversa e chegava sempre já se deitando na sua
rede surrada.
Quando estavam no barraco, o divertimento se resumia em torno
da televisão, assistindo a todos os programas, das novelas
ao futebol, dos noticiários às transmissões
dos cultos evangélicos exibindo milagres.
E foi assim que, numa noite qualquer, um candidato à
presidência da república apareceu em um programa
eleitoral televisivo e, sem eira nem beira, prometeu o Programa
do Bolsa Preguiça, no valor de dois mil reais, a quem tivesse
uma prole de, no mínimo, quatro filhos e fosse vagabundo
na verdadeiríssima acepção do vocábulo.
Todavia, somente seriam enquadrados aqueles que possuíssem
os requisitos necessários no dia da assinatura do programa.
Foi uma promessa bombástica, um rebuliço de lascar
o cano. Afinal de contas, quem não quer ganhar dois mil
“paus” a título de incentivo para não
fazer nada?
Inocência e Amantino ficaram alegres e decepcionados ao
mesmo tempo, uma vez que faltava um filho para serem beneficiados
com o Bolsa Preguiça. Apagaram a televisão e, pensativos,
foram dormir.
Para ser um autêntico vagabundo, basta eu largar a bosta
do lixão e ficar “coçando” o dia inteiro
me embalando na rede, racionou com inteligência Amantino.
Eu sempre fui uma vadia, por isso não vai ser problema
algum para mim, pensava a ingênua Inocência. Tiro
minhas filhas do colégio e as deixo no barraco vendo televisão,
concluiu.
O obstáculo estava em arranjar o quarto filho, pois o
programa seria assinado antes do prazo de uma gestação.
E agora, fazer o quê?
No dia seguinte, Amantino foi para o lixão. Já
era alta madruga quando voltou ao barraco. Estava borracho e taciturno.
Inocência ficou encucada com o procedimento do companheiro,
eis que ele era de tomar uns tragos apenas nos fins de semana.
Pela manhã, acordou de ressaca e ficou em casa. Não
trocou uma palavra com ninguém. Inocência preparava
um suculento caribé de farinha de mandioca para o almoço.
Depois que acabaram de comer, Amantino chamou Inocência
em um canto e disse que tinha uma coisa para lhe confessar, esperando
que entendesse, já que, inclusive, era para o bem de todos.
- Vai, Amantino, desembucha logo! O que tu tem pra me dizer?
- Minha nega, o papo é o seguinte. Você sabe que
tem momentos que a gente fica sem miolo e sai fazendo asneira
por aí. Aconteceu comigo. A gente já estava junto
quando eu conheci uma mina meio amalucada. Foi um caso muito rápido,
mas ela engravidou de mim, nascendo um menino.
- Tu é um sem vergonha, seu safado! Como é que
tu me passa pra trás e agora vem confessar no maior descaramento.
Não quero nem saber deste menino morando aqui comigo e
com minhas filhas. Deixe ele lá com tua vagaba.
- Mulher, eu tô registrado como pai do menino. Ela disse
que ficaria com este filho até o dia que eu quisesse ele
pra mim.
- E por qual motivo agora tu quer este moleque?
- Ora, neguinha! Com a promessa do Bolsa Preguiça, é
nossa chance de ter o quarto filho. E ainda legítimo, morou?
- Bom, se é para a gente abocanhar aquela grana, pode
buscar o garoto.
- Vou logo me vestir e buscar meu filhote. Espera por mim, Bolsa
Preguiça! – disse Amantino com um sorriso largo.
E logo tratou de buscar o filho para se enquadrar no perfil
dos beneficiários do Bolsa Preguiça, isto é,
ter quatro filhos desocupados e pais vagabundos. À noitinha,
chegou ao barraco assobiando alegremente com o guri a tiracolo
chupando um picolé de cupuaçu.
Todavia, uma cena dissipou a alegria de Amantino. Sentada no
chão e chorando copiosamente, com soluços entremeados,
Inocência era consolada pela filha caçula. Não
viu as outras duas filhas.
Surpreso, Amantino perguntou sobre o paradeiro das filhas ausentes.
Inocência fixou o olhar na retina dele, ajeitou a garganta
com uma tossida seca, esticou o pescoço e respondeu de
chofre:
- Amantino, seu corno babaca, pensa que foi só tu que
olhou na televisão o merda daquele político prometer
o Bolsa Preguiça?
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