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Caroline Kalil Nogueira
Franca / SP

 

Carolina e a Lua


No quarto escuro penumbrado, os olhos reluzidos nas estrelas, debruçava Carolina sobre o parapeito da janela, pendurando-se nas grades, tão cinzas, tão sem sal, espremendo o rosto rechonchudo por entre as barras, assim o céu ficava inteiro e podia sentir a luz da Lua, tão cheia, tão pura a tocar-lhe as cálidas faces, desenhar-lhe um sorriso mais claro.
E podia fitar-lhe as manchas, feito as suas próprias manchas de Sol. O Sol, monstro cruel que devia machucar o rosto da Lua todas as manhãs com seus raios ardidos. Ah, não.... Tão linda a Lua, tão linda a Lua....
Carolina desceu da janela subitamente, e, deslizando com suas meias coloridas, patinou pelos corredores da casa, “Papai, papai!”
Papai estava lendo um livro, sossegado, enquanto deixava o cigarro virar cinza entre os dedos, tão perdido estava papai em seu livro grande de capa preta e páginas sem sentido para Carolina.
“Papai!”, pegou-lhe pelo braço, puxando, “Papai, vem cá! Vem cá!”, “O que você quer, Carolina?”, “Vem, papai, vem ver”.
E puxou-lhe como que o mundo fosse acabar naquele instante, sorridente. Adentrou com o pai o quarto penumbrado, ajoelhou-se na cama, apontando para o céu, “Olha que linda, papai!”
Papai sorriu, “É, a Lua está linda minha filha, mas o que é que tem?”
“Papai, dá a Lua pra mim?”
“Mas ela já é tua, minha filha...”
“Não papai, eu quero ela só pra mim.”
“Pra quê você quer a Lua só pra você? Onde você vai colocar a Lua?”
“Vou colocar no meu quarto, papai... Assim eu vou poder ter ela só pra mim.”
“Papai não pode te dar a Lua, minha filha. Você não quer uma Barbie?”
“Não, pai, eu quero a Lua!” – embirrou a menina.
“A Lua eu não tenho como tirar do céu, Carolina. Mas ela vai estar aí sempre pra você. É só abrir a janela”.
E então papai saiu pela porta penumbrada do quarto, atravessou o corredor acendendo tranquilamente outro cigarro, para sentar-se de novo no sofá e retomar a leitura.
Carolina ficou ali parada no quarto escuro e fitando a Lua, chateada. Não podia ter sua Diva. Tão linda... Quis conversar com ela. Mas era tão bela que fazia as palavras vazias no ar. Foi então que debruçou-se, novamente, sobre o parapeito da janela, com os olhos reluzidos no céu e o rosto rechonchudo por entre as barras cinzas sem sal, ficando ali parada até cansar.
Todas as noites esperava a Lua tocar a janela com sua cálida luz, até desaparecer no céu, ficar escondida na noite, minguando. Eram tristes as noites minguantes. Carolina sentia-se só, minguada, feito a Lua.
Os dias eram exaustivos. Os raios do Sol ardiam as faces alvas de Carolina e machucavam, assim como machucavam as faces alvas da Lua quando se encontravam ao nascer do dia. Às vezes, de forma rara, a Lua apagava o Sol, de raiva. Carolina fez festa nessa tarde em que chamaram a vitória da Lua de eclipse. Mas era mais do que isso, era a Lua apagando o Sol.
Quando o malvado se punha no horizonte, e as estrelas começavam timidamente a surgir no céu, já embalando a diva Lua, linda, linda Lua no céu, então sua felicidade estava completa e seus olhos reluziam para o alto, confortados.
Numa noite, Carolina dormia dum sono profundo feito o mistério da Terra, quando sentiu uma luz envolvê-la feito um bebê. Sentia o corpo todo iluminado, duma luminosidade tão farta que atrapalhava fechar os olhos. A Lua estava ali, e sua luz a chamava, “Carolina, Carolina”. As estrelas brincavam no céu e sorriam, “Carolina, Carolina”, e Carolina foi tomada de tamanha alegria que seu corpo saiu como que flutuando entre os lençóis, e a menina foi brincar com as estrelas.
A Lua estava cheia, orgulhosa, com suas manchas na face alva deslumbrada que eram as mesmas manchas de Sol de Carolina, porque os raios do Sol eram ardidos e Carolina tinha as faces claras e delicadas da Lua.
Foi então que a menina olhou no horizonte celeste e viu o Sol maldoso chegando com seus raios de fogo. “Papai, papai”, “Carolina, volta!” – chamava o pai – “Volta, Carolina! Não me deixa aqui, minha filha, não vai não...”, “Vem papai!”, gritava Carolina de volta, apreensiva com os raios de fogo do Sol se aproximando. Para proteger a alva face de Carolina, as estrelas cobriram a menina do manto da noite, e a esconderam no céu entre as constelações.
Todas as noites papai chama Carolina, e todas as noites a Lua a traz para brincar no galope das estrelas. Quando a Lua é minguante, Carolina não vem. Então papai fica esperando vir a Lua nova e depois a rechonchuda, feito as faces da irmã Carolina no céu.

 

   
Publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Edição Especial - Agosto de 2014