Juviniano Gomes de Cantalice
Soledade / PB
Para meus 87 anos
Ao ler o conto O outro, do escritor Jorge Luis Borges, senti-me
desejoso de ter, assim como ele, aquele momento onírico,
ímpar, fantástico, que tivera o escritor argentino.
Desejei sentar-me num banco de praça, numa balaustrada,
ou quem sabe, numa simples pedra fora da trajetória de
outros homens e confrontar-me comigo mesmo.
A bem da verdade, desejava ver-me com meus oitenta e sete anos,
marcados por desilusões, diante de me mesmo, um outro eu,
com seus dezesseis anos, cheios dos arroubos juvenis. Sentaríamos
um ao lado do outro. Ele, sem demonstrar muito interesse, ouviria
o velho de cabeça grisalha que, embevecido pela sua puerilidade
de menino, tentaria, mesmo que por alguns instantes, retê-lo
um pouco mais ao seu lado; porém, na pressa peculiar de
quem tem grandes voos para alçar, ele sairia de perto de
mim.
Que pena!
Na impossibilidade de reter entre mãos frágeis os
anos que se foram, olharia ele dobrar a primeira esquina e sumir-se
na abertura do tempo, antes que eu, velho, fosse despertado por
uma mulher que empurraria minha cadeira de rodas, colocada à
sombra de uma árvore centenária, e me levaria de
volta para casa, despertando-me, portanto, do sono profundo em
que me achava.
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