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Maurício Chizini Barreto
Tibagi / PR

 

A casa do joão-de-barro


Um dia, ao passear calmamente entre árvores de um pequeno bosque próximo a minha casa, percebi que aquele pequeno pássaro observava-me como uma atenção nunca vista. Era um furnares rufus, nome científico do popular joão-de-barro, que tem como principal característica fazer seu ninho de barro, com a abertura projetada sempre de forma a evitar a entrada da chuva. Porém, existe também o costume desta avezinha de aprisionar sua fêmea lacrando a entrada da casa, que dizem alguns, ser de ciúme da amada.
Porém aquela ave parecia mais interessada em mim do que em fazer seu ninho de amor. Até que ao longe avistei a pequena casa de barro, encrustada no tronco de uma árvore, o qual estava apoiado em uma outra árvore bem mais robusta. Percebi então, que a porta da casa estava lacrada e lembrei-me das histórias que minha avó contava sobre o seu costume de aprisionar sua amada.
Apesar da minha pouca destreza, consegui subir naquela árvore e alcançar o tronco onde encontrava-se a pequena casa de barro. Para minha surpresa, a avezinha começou a me atacar, desferir diversas bicadas que causavam alguma dor. Porém, não desisti e consegui finalmente chegar até o local e desobstruir a pequena abertura. Lá dentro encontrei uma pequena avezinha agonizando, consegui resgatá-la e levá-la para minha casa. Coloquei-a em cima de minha cama e comecei a cuidar com todo o carinho.
A noite chegou e para minha surpresa, enquanto eu tomava banho, deixei a pequena avezinha em cima da cama e quando voltei... a surpresa: aquela avezinha tinha se transformado em uma bela mulher, que encontrava-se nua encima da cama. E agora? O que fazer com aquela mulher? Como comunicar-me com ela? Será que ela fala a minha língua?
Fiquei ali pasmo a observá-la sem pronunciar uma só palavra. Ela por sua vez, estampava em seu rosto uma imagem de espanto e pavor. Pensei em sair e pedir socorro, mas logo a lucidez me voltou e percebi que não tinha motivo para tanto. E agora? Seria mesmo a pequena ave, ou alguém que queria me aplicar um trote, uma brincadeira, mas se assim o fosse, com certeza seria a melhor brincadeira deste mundo. Aquela mulher, linda, de cabelos negros, compridos, de lábios carnudos, vermelhos e belos olhos verdes seria, com certeza, uma grande brincadeira. Por outro lado, podia ser também, apenas um sonho, e que sonho! Mas se assim o fosse, poderia então aproveitar, curtir o momento, pois sendo um sonho, logo iria acordar e tudo acabaria. Pensei então em... pois afinal de contas estava em minha casa, ali, como veio ao mundo, apenas me esperando. E agora? O que fazer? Como posso agir neste caso, nunca havia passado por algo assim, não tinha a minha ideia de como resolver esse problema. Problema! Sim, afinal de contas e se aquela bela mulher não fosse o que eu estava vendo. E se ela fosse aquela pequena ave, se fosse uma brincadeira de alguém e se fosse.... E agora? Afinal de contas, do que tenho medo? Se for um pássaro, ela vai fugir voando, se for um sonho eu vou acordar. Se for uma brincadeira eu vou descobrir. Se for verdade, eu vou ter a melhor noite de minha vida.
Novamente, dei uma revisada no material (e que material!) diga-se de passagem. Aquelas curvas perfeitas, aqueles seios firmes e delicados e o sorriso, que carisma, que dentes lindos! Não parecia verdade, parecia um sonho, um delírio de alguém que nunca teve muita sorte com as mulheres. Mas e agora? Tenho que decidir-me, pois ela não vai ficar ali parada por muito tempo. Claro! Foram só alguns segundos, mas para mim pareceram horas de indecisão. Tentei me comunicar, finalmente, mas para minha surpresa a voz não queria sair, dei alguns resmungos, tentei falar mas sei lá, acho que a surpresa da cena travou minha voz. E agora? Não consigo falar, o que posso fazer? Tentei me aproximar e manter um contato fisico, gesticular, tocá-la para ver se realmente existia de fato, ou se era apenas meus olhos que estavam me enganando.
Dei alguns passos em sua direção, o que lhe causou medo, percebi que ela estava apavorada, seu rosto demonstrava isso, porém ela permanecia ali, imóvel. Parei novamente e fiquei a observá-la, talvez esperando uma reação da parte dela. Depois de algum tempo, ela movimentou o braço no sentido de meu corpo, parecia querer segurar-me. Estendi minha mão, porém ela rapidamente recuou seu gesto. Parecia que aquilo fosse apenas um gesto de proteção, resolvi tomar mais um pouco de iniciativa, me aproximei da cama e continuei com os olhos fixos, observando qualquer possível gesto de sua parte. Sentei-me da cama, ela continuou ali, sem esboçar nenhum gesto de repúdio. Fiquei novamente observado, degustando toda aquela beleza, planejando o meu próximo ato. Tudo parecia um grande jogo de xadrez. Cada lance precisava ser milimetricamente estudado, um passo em falso e tudo acabaria, eu teria perdido de usufruir de tão grande sorte. Agora, mais próximo, podia desfrutar com mais detalhes daquela deusa. Seus dedos perfeitos, sua unha comprida e delicada, suas sobrancelhas pareciam ter sido feitas em salão de beleza, com traços perfeitos. Não! Suas unhas não eram pintadas, estavam na cor natural. Seu cheiro era algo estonteante, exalava algo que nunca tinha sentido, não tendo como descreve, era um cheiro único, gostoso, saboroso; pode-se dizer. Resolvi então tocá-la, sua pele era de uma delicadeza como se fosse feita de algodão, deslizava minha mão de forma tão natural que por alguns segundos esqueci que podia se tratar de uma pequena ave, transformada em mulher, e fiquei ali a acariciá-la. Porém! Quando resolvi tomar uma decisão mais arriscada, ela soltou um grande e agudo grito e como uma passe de mágica ela voltou a transformar-se em uma pequena ave e voou pela janela de meu quarto. Demorei dormir naquela noite e no dia seguinte não sabia mais se tudo foi verdade ou apenas um sonho.
Achei o tronco de árvore, a casa do joão-de-barro caída ao chão... E até hoje espero um dia vê-la novamente.


   
Publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Edição Especial - Agosto de 2014