Maria
Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso
/ MG
Santa Maria
Amanhece o dia. Maculado, catastrófico, desolado. O cenário
de devassidão se apresenta mais nítido diante das
pessoas que se movimentam retirando os feridos e mortos para ser
dali transportados.
O corre, corre parece interminável. Pânico, gritos,
empurra- empurra, pisoteamento, asfixia, queimadura... Morte.
Um nome bem chamativo: Kiss. Casa noturna para abrigar um pouco
mais de seiscentas pessoas, mas que nesta noite, ao som de uma
banda de músicos amadores, dançavam mais de mil
jovens, superlotando o local.
Alvará vencido, vistoria vencida, extintores de incêndios
vazios, saída pela própria porta de entrada, onde
a comanda de gastos era paga. Nada de saída de emergência
Teto forrado por uma grossa camada de espuma feita com material
tóxico para a acústica do local.
Noite de música misturada a muita dança. Alegria
e risos de rapazes e moças, quase todos estudantes universitários
do local e de cidades das redondezas. Jovens sonhadores, esperançosos
e despreocupados, certos de que a vida lhes preparava um futuro
promissor e feliz.
Lá pelas tantas, numa irresponsabilidade, negligência
ou até mesmo ingenuidade, um dos integrantes da banda,
para que o show ficasse mais atrativo, dá início
ao espetáculo pirotécnico. Usam fogos impróprios
para ambiente fechado. Em poucos minutos, é avistado no
teto, um pequeno foco de incêndio, resultado das chamas
altas das faíscas dos fogos. Outro rapaz da banda pega
o extintor de incêndio, aciona-o. Está vazio.
Com a mesma rapidez que o fogo começou, ele se espalhou.
A espuma de forração, altamente inflamável,
espalha o fogo com enorme rapidez deixando no ar uma fumaça
preta e tóxica que vai consumindo o ambiente.
Um cenário de horror toma conta do salão. Todos
querem sair a todo custo. A princípio, os seguranças
da boate, sem ainda saber ao certo o que estava acontecendo, brecam
os jovens desesperados, para receber o consumo da noite. Bastou.
Até que a porta fosse aberta dando vazão para os
que estavam mais próximos saírem, outra pessoas,
num desesperado instinto de preservar a vida, correm para os banheiros
e para a saída sem, no entanto, terem tempo de escapar
do desmaio pela inalação da fumaça tóxica,
pisoteamento e morte.
Os que conseguiam sair com vida e ilesos ajudavam como podiam
chamando socorro, abrindo com marretadas a parede do local. Estavam
em meio a um espetáculo real de terror que mais parecia
um filme de ficção.
Famílias de mais de duzentos jovens ficaram, em questão
de minutos, sem seus filhos e irmãos. Outros vêem
seus entes queridos serem levados para hospitais, muitos em estado
grave. Alguns morrerão na certa, engrossando o número
de vítimas fatais. Sonhos roubados, anseios desfeitos,
vida podada em plena juventude. Choram impotentes. O que fazer?
A quem culpar. Apenas o desespero, nesta hora, acompanha os incrédulos
parentes e amigos das vítimas.
A comoção se espalha pelo país inteiro. De
longe, todos rezam e consolidam pela tragédia lá
do sul.
Esta nódoa manchará para sempre principalmente os
que viveram de perto a agonia desta noite fatídica. Que
a tragédia sirva de lição para que a ganância,
a irresponsabilidade, a corrupção e o homicídio
culposo não tornem a ceifar novas vidas.
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