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Jorge Braga da Silva
Peruíbe / SP

 

Alienação letal


“... a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele." (Paulo Freire, A importância do ato de ler, p.13)
Meu nome é Bel Ciça e estas serão, com certeza, minhas últimas palavras escritas.
Não sei exatamente quanto começou o ataque, mas ao que parece bem antes nossa língua portuguesa já estava sendo solapada tanto no meio intelectual quanto no popular. Principalmente nas redes sociais isto ficava evidente. Às vezes eu tinha dificuldade de entender o que minhas amigas escreviam no Facebook diante da algaravia dos seus textos.
As longas polêmicas sobre as soluções para a melhoria da educação arrastavam-se por décadas, misturadas com discussões sobre problemas diversos como a invasão de estrangeirismos. Enquanto isto havia o fracasso das reformas educacionais expostas pelo baixo desempenho em leitura e redação. Tudo isto deve ter obscurecido a percepção do perigo emergente, mas certo é que não foi causa da tragédia que viria.
Sei apenas que, em dado momento, percebemos vagamente que a escrita, a leitura e a compreensão não estavam em decadência apenas aqui no Brasil, mas no mundo todo. Semelhante ao envenenado que só moribundo é que percebe vagamente o triste destino que lhe espera.
Medidas atabalhoadas de vários países, ao descobrirem tardiamente o estranho e súbito crescimento do analfabetismo mundial, resultaram decepcionantes. Confusamente foram percebendo que as pessoas não só não mais aprendiam a ler nem a escrever, mas o mais assustador era que milhares pareciam estar desaprendendo. Enquanto as intermináveis discussões políticas e acadêmicas e seus ineptos planos educacionais proliferavam, o analfabetismo, misteriosamente, para desespero geral, se alastrou como epidemia mundial.
Ler e escrever é fundamental para a humanidade. Foi a invenção da escrita e a possibilidade, pela leitura, da recuperação integral da informação, legando-a para as próximas gerações, que possibilitou ao ser humano sobreviver e dominar os outros animais e a Natureza. Mas pela primeira vez na história da humanidade, este poder estava sob ataque. Um ataque alienígena.
Lembro quando eu era uma menininha que com meu gato Gel enfrentei corajosamente - como só os jovens e os gatos ousam ser - os alienígenas entocados numa nave escondida no céu de São Paulo. Lembro como a derrubamos e salvamos o Doutor Abduzido. Eles pareciam ter desistido, mas depois voltaram e, de novo, demoramos a perceber sua presença. Tinham um novo plano que dispensava o uso da força bélica, mas era muito mais cruel do que se poderia imaginar. Desta vez era tarde. E aquela foi nossa primeira e única vitória nesta guerra assimétrica...
Em menos de uma década os invasores alienígenas, de alguma forma que jamais conseguimos descobrir, erradicaram no ser humano a capacidade de transmitir cultura. Como se fosse uma pandemia planetária, milhares, milhões e logo depois bilhões de pessoas simplesmente desaprenderam a ler e a escrever. Em progressão geométrica os meios de produção foram travando. Técnicos, engenheiros, cientistas de grandes empresas e universidades no mundo tornaram-se incapazes de operar suas complexidades. A misteriosa doença esterilizava em suas mentes a capacidade de ler. Os acessos ao Facebook reduziram-se de tal maneira que por fim cessaram completamente. A própria internet apagou-se. Pessoas pelo mundo afora cometeram suicídio em desespero. Os centros financeiros mundiais caíram em ruínas, as usinas nucleares, as grandes hidrelétricas pararam a produção de energia. Logo o planeta estava imerso na escuridão. Bandos saqueavam sem repressão, pois não havia mais polícia organizada, nem exércitos para combater. Tudo que dependesse de leitura e escrita cessou de funcionar. Não há mais transportes, mas doenças e pestes no meio da destruição globalizada. A agricultura tecnológica desaparece. Agora se planta para consumo próprio. Astronautas morreram abandonados no espaço vagando em suas órbitas inúteis. As comunicações foram interrompidas. A cultura extinguiu-se. A raça humana entrou em extinção. Em meio a escombros, no mundo inteiro, alguns últimos grupos humanos espalhados, isolados e inconscientes do que lhes aconteceu, vagavam assombrados entre as ruínas.
Vejo em mim mesma os primeiros sinais, os primeiros lpsos. Percebo minha capacidade cognitiva se degenerando. Não estou ficando louca. É muito pior, estou lúcida para assistir minha demolição. Breve não poderei ler estas palavras e daí não mais poderei ler o mundo. Tudo fica mais estranho, misterioso e sobrenatural. Evito, fujo, pois cada vez entendo menos. Apresso-me em escrever esta carta, talvez a derradeira de um ser humano na história da humanidade.
Os novos colonos da Terra, os alienígenas, já estão nas ruas. Ocupam o planeta, reaquecem os motores, todos intactos, abandonados por nós, depois que destruíram nossa capacidade de ler os instrumentos e fazer a máquina do mundo girar. Os aliens finalmente conseguiram. Vitoriosos sem um único disparo, sem nenhuma bomba detonada. Tudo intacto para usufruto deles. Já psso ver o céu coberto por suas sinistras naves. Nste espaço eles voam agora soberanos. Os restos sujos dos últimos humanos vivos espreitam boquiabertos em cantos escuros. Apntam as nuvens e se conslam com os deuses astronautas que julgam estarem chegando.
Prciso terminr esta crta. Não sei por que a escrvo. Talvz pra dexar uma mrca da mnha brve pssagem por este mndo, quando ainda podia dialgar com ele. Tlvez se trne apenas uma criosidade para os alienígenas, num museu sbre uma cvilzação que houve uma vez nste pqueno plneta chamado Terra, onde viveu, prsperou e snhou seu futuro pleno de realizações, quem sabe cmpartlhadas com cvlizações de outros mundos as quais buscou incssantemente encontrar.
Agora... Miuta dficuldde... Etsou falhando... Não consgo registrar mehlor que isto. Dsculpem. imprt e sim
esc já estao chgan do
Lá for a está a vrdade
Am o .. ..
ç ^


   
Publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Edição Especial - Agosto de 2014