Carlos
Alberto Omena
Santos / SP
Traição
Afonso era um homem tranquilo, calmo até demais e muito
trabalhador. Era completamente apaixonado por Estela,sua mulher
a qual contraíra núpcias a mais de quinze anos.
Ele trabalhava numa oficina mecânica onde consertava os
carros do pessoal do bairro e Estela, sua esposa, uma mulher alta,
muito bonita e que apesar de estar beirando os cinquenta anos,
conservava uma beleza escultural e que causava muito ciúme
em Afonso, motivo inclusive de algumas brigas. Ela cuidava apenas
da casa e só saia sozinha às vezes para ir ao supermercado
ou a igreja, que ficava a poucos quarteirões de sua casa.
Mas tirando o ciúme, o casal vivia muito bem, ele tentava
satisfazer todas as vontades de sua esposa e ela procurava sempre
agradá-lo.
Mas essa rotina começou a mudar quando Estela começou
a sair de casa rigorosamente todo dia por volta das 15 horas e
retornava geralmente às 18 horas, pouco antes de Afonso
chegar da oficina.
Os vizinhos do casal, entretanto começaram a comentar essas
misteriosas saídas de Estela e em pouco tempo Afonso tornou-se
motivo de chacota pelos vizinhos, conhecidos e clientes da oficina.
Todos questionavam o fato de uma mulher estar traindo um marido
tão apaixonado, gentil, companheiro e sempre presente.
Afonso, porém, nada sabia dessas furtivas saídas
de Estela, pois quando chegava em casa depois de exaustivo dia
de trabalho, a encontrava de banho tomado, perfumada, casa arrumada
e comida na mesa, nada sugerindo, portanto que passara a tarde
fora.
Mas as coisas tomaram rumos diferentes quando um maldoso vizinho
começou a lhe envenenar com comentários sobre Estela.
Passando-se por bom moço e só “querendo ajudar”
passou a relatar com detalhes todas as saídas da mulher,
como por exemplo, as roupas que saia, o perfume, a maquiagem,
a que horas ia para a rua e a que horas voltava sugerindo inclusive
que Afonso ficasse atento pois achava que ela possivelmente poderia
estar tendo um caso.
Diante dessa narrativa maldosa e inescrupulosa, Afonso começou
a ficar transtornado e passou a ficar de olho na esposa.
Afonso passou a sair da oficina por volta de duas e meia, dirigia-se
para esquina de sua casa, escondia-se atrás de uma árvore
e aguardava sua mulher sair de casa. Voltava para a oficina, repetindo
esse ritual à tarde, próximo da hora dela chegar.
Assim que ela entrava em casa ele ia novamente à oficina
e só voltava para casa a noite como se nada tivesse acontecido
mas antes fazia algo que jamais fez durante esse período
de felicidade conjugal. Parava no caminho, entrava num bar, tomava
alguns aperitivos e saia.
Um dia, porém ele transtornado com essa situação
e totalmente tomado pelo ciúme e completamente arrasado
pelo fato de acreditar que sua esposa tão amada o pudesse
estar traindo, saiu da oficina, parou no bar de costume,e bebeu,bebeu,bebeu
além da conta e não satisfeito com a quantidade
de álcool ingerida, ainda aproveitou e levou uma garrafa
de conhaque para casa. Aquela noite ele queria beber todas, queria
apagar, esquecer, amenizar a dor da traição que
estava sentindo.
Chegou em casa, abriu a porta, jogou os sapatos e a camisa no
meio da sala, numa atitude de pura rebeldia, sentou-se no sofá,
colocou sua garrafa de conhaque na mesinha de centro e notou que
já eram oito horas da noite e Estela ainda não havia
chegado.
Foi a gota d água. Esbravejou, deu murro na mesa, bateu
a porta, proferiu alguns palavrões e resolveu sentar no
sofá, secar aquela garrafa de bebida todinha e aguardar
Estela chegar e exigir dela uma explicação. Seria
a hora da verdade. Hoje seria o fim.
Enquanto bebia, Afonso ia imaginando sua mulher nos braços
de outro homem, ela chegando em casa com cheiro de perfume vulgar,
cheiro de prostituta. Prostituta sim,era isso que Estela se transformara,pensava
ele. Será que ela teria coragem de beijá-lo depois
de ter passado a tarde beijando outro? Imaginava ele já
desfigurado pela angustia, revolta e pela bebida que consumira.
O relógio da sala marcava oito e meia, quando finalmente
um ruído na fechadura ecoou no silencio mórbido
da casa. Era Estela que finalmente chegava.
Do momento que ela colocara a chave na fechadura até finalmente
a porta se abrir foram segundos intermináveis para Afonso.
Estela entra em casa, cumprimenta o marido, desculpa-se pelo atraso,
informa que depois do banho explica porque chegara aquela hora,
tenta beijá-lo mas ele se esquiva, evitando o contato.
A mulher, sem entender nada, entra no banheiro para seu banho
e ele já completamente tomado pelo desequilibro e completamente
cego pelo fato que lhe parecia tão claro, tomou um ultimo
gole de conhaque, foi até a cozinha pegou uma faca afiada
e quando Estela sai do banho, e ele numa atitude totalmente insana,
desfere vários golpes na pobre mulher.
Estava morta a traidora. Finalmente fizera justiça, lavara
enfim, sua honra com sangue. O sangue de uma prostituta. Ninguém
mais riria dele por estar sendo traído por uma vagabunda.
Queria sair e agradecer ao amigo que o alertara sobre a conduta
daquela desgraçada. Iria lhe dever esse favor a vida toda.
Esse sim era amigo.
Seus pensamentos foram interrompidos bruscamente pelo toque do
telefone.
Afonso, ainda com as mãos sujas do sangue daquela vadia,
atende o telefone e desaba ao ouvir uma voz que dizia:
- Alô, éo marido da D.Estela? Aqui é da Casa
de Assistência à criança com câncer
onde ela trabalha toda a tarde como voluntária. Eu queria
informar que ela esqueceu aqui o presente que as crianças
fizeram pra ela com muito carinho e entregue na festa que teve
hoje em sua homenagem como a voluntária mais querida e
atuante dessa entidade. O Senhor está de parabéns
pela esposa que tem. Todos aqui a amamos. As crianças em
estado avançado da doença ganham mais vida e esperança
com tamanho carinho que ela dedica a eles. Até logo e mais
uma vez parabéns!
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