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Letícia Alvarez Ucha
Porto Alegre / RS

 

Arapuca


Quando ele entrava no bar, Cibele já sentia seu perfume. Aroma amadeirado misturado com sândalo. Ele era alto, olhos grandes ar misterioso. Pedia sempre a mesma bebida :whisky com duas pedras de gelo. Ficava sentado numa mesa de canto fazendo várias ligações e anotações em seu tablet. Às vezes, chegava algum amigo para conversar rapidamente. Ficava pouco tempo e ia embora.
Cibele mestre na arte de coquetéis, às vezes lhe perguntava se ele queria algum drink diferente. Ele sempre respondia com olhar ao longe, entre uma tragada e outra de cigarro. A verdade é que ele mal sabia da existência da simpática bartender.
--- Como ele é lindo. Eu só o vejo aqui. Nunca vi na rua. – disse Cibele à sua colega Solange.
--- Pois eu acho ele muito estranho. Os amigos que chegam para sentar com ele parecem que saíram da página policial. Acho que esse cara não é do bem. Fala sério: esse cara nem sabe que você existe! Você deveria dar uma chance ao Ernesto, este sim é do bem.– Disse Solange balançando a cabeça.
--- Você está enganada: a cartomante me disse que o amor da minha vida seria um homem bonito e forasteiro. --- disse Cibele mexendo no cabelo na esperança de ser notada por seu alvo.
O tal homem chamava-se Jordão e andava sempre bem vestido.
Uma noite, quando ele já estava estacionando o carro em frente ao bar de sempre recebeu uma ligação:
-- Cara, fiz a entrega dos “doces e balas” conforme combinado.Descobrimos que temos um infiltrado entre nós. Talvez o outro bando já saiba do “presunto”. Está com ele ainda?
-- Sim, não tive tempo de fazer a desova. – Disse Jordão coçando o queixo.
-- Então, dá um jeito, consegue um álibi. Não sabemos ao certo se há também alguém da polícia entre nós. – disse o comparsa.
Jordão desligou o celular. Mordeu os lábios, apreensivo. Alterou o horário de seu celular e de seu notebook para duas horas atrás.
Entrou no bar. Cibele sentiu o perfume do homem perto do balcão. Ele sorriu, pediu um Blood Mary à Cibele e que lhe acompanhasse à mesa.
A bartender caprichou no drink, fez uma jogada de cabelos e foi caminhando sinuosamente até à mesa de Jordão.
-- Sente-se. – disse ele com ar conquistador.
-- Gostaria, mas não posso estou em horário de trabalho. – Disse Cibele em tom de lamento.
-- Venha, sente-se um minuto aqui . Seu drink está tão bonito que merece uma foto. – disse Jordão já pegando o celular.
--- Foto? Eu nem estou arrumada..
--- Não , precisa você já é bonita por natureza. Tire rapidamente seu avental que nem parecerá que você está trabalhando.
Cibele, sorriu feliz. Finalmente, o homem que tanto admirava estava lhe dando atenção. Tirou rapidamente o avental e ficou com a roupa que costumava sair a rua. Sentou ao lado de Jordão.
Jordão passou o braço por cima e pediu para outra garçonete tirar a foto dos dois. Feito isso, já postou a foto com Cibele na rede social. Para todos os efeitos a foto estava sendo postada às 22horas.
Cibele, feliz nem achou estranho a mudança radical de Jordão.
-- Hoje haverá uma festa muito concorrida na cidade, será seguida de show. Você quer ir comigo? -- Disse Jordão aproximando-se da moça como estivesse prestes a lhe dar um beijo.
-- Bem.. só se eu pedir para uma colega cobrir meu horário. Posso dizer que tive uma “dor de cabeça”. – Disse a moça toda faceira.
-- Isso, vai ser ótimo para nos conhecermos melhor. – Disse Jordão
A moça saiu radiante ao encontro de sua colega Solange que aceitou o favor mesmo estando contrariada.
Enquanto isso, Jordão enviava um a mensagem para seu comparsa dizendo que “o peixe mordeu a isca.”
Retocou a maquiagem, ajeitou os cabelos no banheiro e lá estava Cibele pronta para sair com Jordão.
Foram até o carro. Como a festa começaria mais tarde, resolveram passar primeiro em um movimentado fast food da cidade. O objetivo era ser visto na companhia da moça.
Cibele não percebeu nada. Durante o rápido jantar entre batatas-fritas e hamburguers foi surgindo uma afinidade que espantou até mesmo o calculista Jordão.
Pela janela da lanchonete era possível ver os primeiros raios que indicavam chuva para as próximas horas.
Na saída do restaurante, já dentro do carro ouvem um forte : estrondo. O carro que estava atrás deles bate de tal forma que amassa a traseira do carro e abrindo o porta-malas.
Num reflexo, Jordão e Cibele saem do carro para ver o aconteceu.
Jordão grita: --- Fique dentro do carro.
Aflita e com o barulho dos raios, Cibele não ouve.
O homem que bateu o carro custa a sair porque tem que parar a briga de seus dois filhos que estão no banco de trás.
Jordão fala ao homem que não foi nada. que seu próprio seguro resolverá.O homem coça a cabeça surpreso, mas não insiste, afinal livrara-se do conserto.
Quando Jordão vira seu rosto para falar com Cibele, ela está parada com os olhos esbugalhados e sem fala. Ele olha para o porta-malas aberto e percebe que ela viu o cadáver.
--- Entra já para o carro. – diz ele em tom ríspido.
--- Por favor, não faça nada comigo, eu prometo não contar nada.
Jordão pega o caminho que leva à saída da cidade.
--- Para onde estamos indo? Eu quero descer. – Disse Cibele gritando.
--- Cala essa boca, que eu preciso pensar em algo..—Disse ele olhando pelo espelho retrovisor. – Estamos sendo seguidos.
Cibele chora ainda mais.
O carro que está os seguindo começa a atirar e acerta os pneus do carro onde estão Cibele e Jordão.
Este é obrigado a parar o carro e pega o revólver que está no porta-luvas e começa a atirar também. Cibele aproveita e sai do carro e corre em direção ao mato que cerca a estrada. Neste instante, além dos raios começa a chover.
Cibele vira-se e vê uma chama enorme vindo da direção de onde havia fugido.
Corre ainda mais. Finalmente, encontra um bar de beira de estrada onde há um taxista que aceita levá-la de volta a cidade.
Dois dias depois sem ter contado a ninguém sobre o ocorrido abre o jornal e lê a notícia: “Encontrados na estrada km “X”, dois corpos em veículo carbonizados.”



   
Publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo" - Edição Especial - Agosto de 2014