Júnia
Paixão
Carmo da Mata / MG
Cartas.com
Caro Sr. Manoel Cunha,
Pai, (preciso te chamar assim ao menos dessa vez)
A vida não foi generosa com a gente, ao menos comigo não.
Talvez você não pense assim, talvez até pense
que a vida foi boa e não fez você responsável
por ninguém, pode ser! Mas, sinceramente, isso agora não
tem a menor importância. O que você pensa não
tem mais poder sobre mim, e logo agora que te encontrei! Como
disse Guimarães rosa, ‘o correr da vida embrulha
tudo’ e quando nos damos conta, o que foi vital um dia,
no outro é só um detalhe. E é isso que você
é pra mim hoje, só um detalhe.
Mas não foi sempre assim. Desde que me entendi por gente
sentia a sua falta como de um braço que perdemos abruptamente.
Sentia a dor fantasma do membro que não existe mais. Mas
nesse caso a dor era por nunca ter sido, nunca ter tido, nunca
ter merecido a presença de um pai. Por muito tempo eu me
culpei, pois na cabeça de uma criança pequena, que
via seus amigos e parentes com um pai, a sua ausência só
podia ser culpa minha. Era diferente dos outros, tinha algum defeito
muito ruim que tirou você de mim. Eu não merecia
e ponto, foi assim que cresci.
E todos os dias eu pedia a Deus que me fizesse bom, inteligente,
obediente, para que merecesse a sua chegada. Sonhava acordado
que um belo dia você vinha, entrava pelo portão da
casa de meu avô e gritava meu nome. Não sonhava com
presentes, sonhava com um abraço, com meu nome dito por
você. Naquele tempo seria o suficiente. Eu poderia contar
para meus amigos que meu pai veio me ver e teria me sentido menos
culpado pelo abandono que sofri. Mas você nunca veio.
Deus e minha mãe me fizeram um homem bom, inteligente e
capaz. Virei gente, estudei, venci na vida, construí uma
família unida e feliz, fui o melhor pai que pude para meus
filhos. Tudo isso abrandou a sua falta em meu coração,
mas essa ferida é brasa coberta de cinza, basta um mero
sopro que o fogo volta a queimar. E te descobrir agora, tão
perto sempre e incapaz de um simples abraço, incendiou
meu peito. Covarde foi o melhor adjetivo que pude encontrar, o
mais leve. Joguei em você, merecidamente, toda a culpa que
carreguei a vida inteira. Ela é sua, faça bom proveito!
Pois bem, siga a vida! Se precisar de mim não vou lhe negar
ajuda, pois como disse antes, apesar de você, me tornei
um homem justo e não costumo negar ajuda a ninguém.
Mas você hoje não faz diferença pra minha
vida e ainda não sei se quero a sua presença nela.
Mais adiante posso mudar de ideia, me dou esse direito, mas hoje
não.
Até qualquer dia,
Jairo
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