Sergio
Tavares
Maceió / AL
O segredo
Cesário tinha o desejo de descobrir o passado de sua mãe,
não para julgá-la, porém, queria do fundo
do seu coração, conhecer seus dois irmãos,
de quem a vida privou do convívio por tantos anos, talvez
eles gostassem deste velho professor.
E pensar que Cesário passou mais de quarenta anos convivendo
com dono Mirtis, sem desconfiar que ela fosse capaz de tamanho
desatino. Não queria imaginar de forma alguma que ela fizera
isso de espontânea vontade. Não. com certeza ela
fora obrigada por circunstâncias irremediáveis. Aquele
coração tão bom que ela possuia, não
tinha lugar para a insensatez, para a ingratidão, para
o ódio, e cada vez mais, ele, como um bom filho, o preferido,
tentava, mas não conseguia conceber que sua mãe
caridosa fosse capaz de tomar uma atitude tão drástica.
Entretanto, ela tomou.
E a história, que chegou ao seu conhecimento, apesar de
falha, era verdadeira. Sua mãe havia abandonado seus primeiros
dois filhos, e isto era de cortar o coração de qualquer
ser humano.
Tentou imaginar aquela pobre menina fugindo de trem, de uma cidade
do interior para a capital de outro estado, distante, chorando
com a dor da separação, com a saudade que já
lhe apertava o peito, deixando para trás tudo que lhe havia
de mais sagrado, seus filhinhos... Ela tinha família, pai
e mãe, e um marido, mas nada disso fazia mais diferença
para ela. Tudo virou passado, um passado adormecido, que a atormentaria
para o resto da vida.
Eles certamente, preocupados, a procuraram até não
terem mais forças, mas nada encontraram, nenhum rastro,
nenhuma pista sequer. Quando se deram conta, ela já havia
partido. Já estava muito distante. Em um lugar onde começaria
uma vida nova, numa inútil tentativa de esquecer o pretérito.
O motivo era uma incógnita, assim como foi toda a sua vida,
que ela soube esconder de todos, especialmente dos filhos que
nasceram depois. E até esconderia do novo marido, se conseguisse,
porém em algum momento ele descobriu tudo, e ela teve que
desvendar seu segredo.
Cesário chegou a ouvir de um tio distante que algo de muito
grave ocorreu entre dona Mirtis e seu ex-marido, que fez com que
ela tomasse essa decisão, ocorrera uma desgraça
sem dúvida entre eles, e o elo mais fraco arrebentou-se,
e virou abandono e ausência para sempre. Mas nada disso
adiantava, agora, pois para Cesário, não havia mais
como consertar o passado.
Quando ficou sabendo da existência dos dois irmãos
já crescidos, com mais de quarenta anos cada um, restou
apenas o desejo de conhecê-los, para tentar contar-lhes
sobre a mãe bondoza que foi dona Mirtis, apesar de tê-los
abandonado... O que eles pensariam disso? Talvez achassem uma
ironia do destino, uma piada maquiavélica contada por Cesário,
ou quem sabe gostariam de ouvir falar coisas boas de sua mãe
legítima. Talvez guardassem algumas lembranças dela,
algo improvável, mas mesmo assim, ouviriam histórias
positivas, que poderiam confortar-lhes o coração.
E pensar que dona Mirtis conseguira manter segredo, por todo esse
tempo, para os três filhos do seu último casamento,
pois certamente, ela tinha receio do que os filhos pensariam a
respeito da atitude que ela tomou, e medo que a condenassem, por
isso não quis revelar a verdade, pelo menos em vida. Foi
o que o senhor Marcus, seu pai, lhe disse:
- Sua mãe pediu pra te contar a verdade da existência
de seus dois irmãos, mas somente depois que ela morresse.
Ela teve dois filhos do primeiro casamento, e os abandonou ainda
bebês...
E Cesário, atordoado com esse segredo revelado, não
teve tempo de perguntar mais nada a seu pai, pois tinha que ir
para o aeroporto, tinha que viajar com urgência. E partiu,
pensando sobre essa notícia, avassaladora, que inicialmente
pensou ser alguma graça de seu pai, mas não, ele
não iria brincar com um assunto tão sério.
Não tinha o direito de fazer isso, e lógico, tinha
que ser verdade.
Cesário, o velho professor, pensou que não tinha
como confirmar toda essa história, agora que sua mãe
estava morta, e levara para o túmulo a sua versão
dos fatos, sobre o fim trágico de seu casamento, restando
apenas suposições, de um e de outro lado, pois ocorreu
uma "tragédia" segundo ouviu alguém contar.
Por esse motivo, o choro dela, de saudades, presenciado por Cesário
em vários momentos, tinha uma razão de ser, era
o efeito de uma terrível atitude, tomada por uma mãe
desesperada, que fugiu de todos, deixando para sempre tudo que
uma mãe mais pode amar, tudo que ela mais amava... seus
pequeninos filhos, gerados em seu ventre.
Dona Mirtis morrera, envergonhada do seu passado, de sua atitude,
e a dor na consciência não abandonou-a em nenhum
momento de sua vida, por esse motivo derramou tantas lágrimas,
enquanto vivia na obscuridade, tentando inutilmente sepultar seu
passado.
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