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José Anilto dos Anjos
Ribeirão Pires / SP

 

O pinto de Naldinho

Alagoinha, uma cidade marcada pela forte devoção a Nossa Senhora da Conceição, tem seus costumes devocionais típicos. Um deles é o passeio rotineiro de uma imagem da Santa de casa em casa. Na casa onde está a Santa, é rezado oterço, e depois ela é levada para a próxima casa. Durante estas rezas, beatas comparecem à residência para ajudar nas orações e reforçar os laços comunitários. A anfitriã da casa normalmente prepara café, chá e bolos para completar o evento.
Neste dia Dona Quitéria estava especialmente satisfeita, pois além da imagem da Santa e a presença de duas beatas, também o padre da paróquia havia comparecido. Depois da reza, do chá, Dona Quitéria estava na fase de despedidas, quando Naldinho, seu filho, veio correndo do quintal, onde brincava com sua prima Maria do Socorro.
- Mãe! Mãe! Dalvinha machucou meu pinto!
Houve um instante de silêncio. O padre arregalou os olhos e olhou para Dona Quitéria. As beatas entreolharam-se, segurando sorrisos maliciosos. Dona Quitéria avermelhou o rosto, e balbuciou:
- O que... o que você disse, menino?
- Dalvinha machucou meu pinto, mãe. Ela apertou com força. Fez de propósito!
Sem saber muito bem como esconder o constrangimento, sua primeira reação foi aplicar um puxão de orelhas no menino e admoestá-lo.
- Não fale bobagens, Naldinho. 
- Ai, mãe! Dalvinha machuca meu pinto e sou eu que apanho?
Nisso o padre interveio.
- Dona Quitéria, melhor chamar a menina e esclarecer o assunto...
Dona Quitéria, ainda sem saber como resolver a questão, chamou Socorro. A menina surgiu toda envergonhada na porta da cozinha. Antes que Dona Quitéria a interpelasse, Naldinho adiantou-se:
- Conta pra mãe porque você machucou meu pinto. Foi de propósito, sua malvada.
- Eu não machuquei, Dona Quitéria. Só segurei com mais força...
A mulher abriu a boca, mas antes que falasse qualquer coisa, Socorro completou:
- Ele estava fugindo, e eu segurei ele.  Mas não machuquei. Naldinho deixou ele sair, e eu só segurei.
- Mas você machucou ele!
- Machuquei não. Quer ver?
Então Socorro correu até o quintal e voltou com uma caixa de sapato na mão. Abriu a caixa com cuidado, e lá dentro estavao pinto, ciscando alegremente os farelos de milho no chão da caixa.
- Olhe! Viu? Ele não está machucado. Só não quis deixar ele ir embora.
Naldinho pensou um pouco, e resolveu concordar com a menina. Só nesse momento Dona Quitéria lembrou-se que sua irmã, a mãe de Socorro, havia dado um pintinho recém saído do ovo para Naldinho, dias antes, quando foram visitá-la no sítio. Olhou para as visitas aliviada. Naldinho acalmou-se.
- É mesmo... ele está bem alegrinho – disse Naldinho, tentando restabelecer a paz.
- Tá certo, crianças – a mãe resolveu encerrar o assunto. – Vão brincar de novo, e tomem cuidado com o bichinho.
- Mãe – perguntou Naldinho. – Porque a senhora puxou minha orelha? Eu não fiz nada errado!
- É que... – Dona Quitéria não soube mais o que dizer, então o padre resolveu intervir.
- É que pensamos que você estava falando de outra coisa...
Naldinho franziu a testa e pensou por uns instantes, depois, como se entendesse de repente, abriu um sorriso.
- Ah, não, padre. A outra coisa, não. A gente não brinca com... com a outra coisa. A gente sabe que é pecado.
- Muito bem, Naldinho. Assim Deus fica feliz.
O padre e as beatas se despediram e já estavam saindo, quando Naldinho perguntou:
- Padre, se a gente chama aquela outra coisa de menino de... (abaixou o tom de voz a quase um sussurro) "pinto"... como é que chama o coisão de gente grande?
As beatas, com sorrisinhos estampados nos rostos apressaram-se em sair da casa. O padre arregalou novamente os olhos. Dona Quitéria avermelhou as faces, num tom que sinalizava perigo. Naldinho percebeu o risco, e não quis esperar pela resposta.
Correu para o quintal,  e lá no cantinho mais distante, continuou a brincar com a prima...
... e com o pinto.

 

   
Conto publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição Especial - Julho de 2015