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Geise de Oliveira Machulek
Campo Grande / MS

 

Memórias reveladas

O termo revelar remete-me a dois instantes preciosos de minha existência. Um deles anos atrás, durante as aulas de fenomenologia, onde o Professor explicava que, nas palavras do Filósofo francês Merleau-Ponty, o movimento fenomenológico ambicionava “revelar o mistério da razão e o mistério do mundo”. Uau! Mistério, razão, revelação! Eu que vinha da área da saúde, sorvia cada palavra com o encantamento da eterna aprendiz que sou e saía das aulas completamente extasiada, entre descobertas e revelações sem fim. Contudo, pouco entendo sobre o assunto até hoje e sigo estudando. Agora, o outro momento precioso á que me referi, fez parte da minha infância. Filha de fotógrafo de uma pequena cidade do interior, entre os anos 1970 e 1980 revelar era outra coisa. Eu menina, observava meu pai falando de revelação todos os meses.
Revelar era espera, calma, paciência e todas as variáveis do gênero. Como ele não tinha um laboratório, a única alternativa era embalar cuidadosamente todos os rolos de filme e ir até o correio enviar para a capital, para o laboratório de revelação. Então, iam os rolos de filme e, como uma verdadeira mágica, voltavam as imagens. Eu, curiosa, ficava na ponta dos pés no balcão da loja esperando o abrir da caixa com o envelope e todas aquelas preciosidades. Ele separava no ‘olhômetro’ a pilha de fotos em pequenos grupos: “Essa é a do casamento do Luís, essa outra é do batizado da Mariana, hum essas aqui são das bodas de ouro na fazenda...”. Aí, de repente meu pai franzia um pouco a testa do tipo: “Olhe para lá menina”, “essas aqui são do assassinato do Ciclano...” Ops! Isso mesmo:  A polícia por vezes solicitava seus serviços, em tempos em que possuir e saber manejar uma câmera fotográfica era coisa apenas para um profissional. E assim, entre festas, comemorações e pesares entendi que revelar era algo importante, era um processo de transformação do filme onde, a princípio, só meu pai tinha acesso a imagem enquadrada no momento do clique na câmera. Não, nós não imaginávamos que um dia teria câmera com visores coloridos de LCD, onde você pode visualizar a imagem e ainda mostrar para as outras pessoas, independente do que se vai fazer depois, salvar no computador, gravar num CD para mandar para a tia que mora longe, copiar para um pen drive para assistir na TV com a família, ou se vai ‘revelar’ as imagens para ver no papel...ah não, lembrei que agora se diz imprimir e pode-se imprimi-las em casa mesmo numa impressora comum, em papel fotográfico ou outro qualquer. Aterrisso aqui, de volta ao admirável mundo novo e guardando na memória as lembranças de meu pai, o fotógrafo Argentino, como era conhecido lá na cidade de Maracajú, Mato Grosso do Sul.


*Com carinho a todos da cidade de Maracajú, MS, onde morei dos quatro até os vinte e três anos de idade e a todos aqueles que tiveram algum momento especial de sua vida registrado pelas lentes do fotógrafo argentino, Daniel Granda.

 

   
Conto publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição Especial - Julho de 2015