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José Amaral de Melo
João Pessoa / PB

 

A transeunte de olhos azuis

Em uma rua do centro, de uma cidade do Nordeste brasileiro, eu vi uma bela e escultural jovem. Passou por mim na mesma calçada, andando em sentido contrário                                           
Ela vinha vindo. Eu ia indo.                                
Quem estivesse observando a certa distância, poderia até pensar que um ia ao encontro do outro. Pois transitavam pelo mesmo lado da rua e esta estava deserta naquela hora do dia.                     
A canícula desanimava as pessoas a saírem de casa e terem que andar nas vias públicas. Só saíam  mesmo quem tinha necessidade de atender a algum compromisso. A beldade que eu avistei, vinha andando com certa lentidão. Talvez não quisesse agitar o corpo para evitar suadouro.                      
Pela maneira do andar descontraído, bem como pela direção do olhar pressenti que ela não havia dado conta da minha presença.
Eu vinha andando um pouco apressado,  com a intenção de chegar logo ao meu destino  e me ver livre daquele mormaço. Todavia ao apontar, lá adiante, na curva do caminho, aquela garota bem delineada, eu resolvi desacelerar a marcha para poder observá-la minuciosamente. A partir desse momento meus olhos estavam voltados sós para ela.
Ela vinha vindo. Eu ia indo.                                
Estávamos nos aproximando. Então eu me interroguei.                             
Será que ela não vai olhar para mim?   Nem, pelo menos rapidamente, ou mesmo por curiosidade?                                                                       
Naquele trecho amplo, com a rua deserta como estava, forçosamente, ela teria que notar a presença de qualquer pessoa, animal ou coisa. Mas no exato instante em que cruzamos um com o outro, ela levantou a vista que estava pregada no chão e olhou-me. Imediatamente percebi um leve sorriso em seus lábios e também que seus olhos eram de um azul intenso.Para ser franco, com isso perdi a noção do tempo. Isto porque o azul é minha cor predileta. Azul é a cor da Terra, segundo os astronautas.  Isto, naturalmente, por causa do oxigênio que a envolve. Azul são, também, o céu, o mar e uma das pedras preciosas mais bonitas, a turquesa.            
Para mim o azul sempre se revestiu de um profundo mistério. Os olhos azuis de uma pessoa, em todo caso, além da beleza que os envolve  provoca a sensação de que ela pretende desnudar  nossa alma. Depois que passei pela beldade, uns dez passos adiante, parei. Pensei rápido e resolvi falar com aquela linda criatura que, de certa forma, a minha presença não lhe fora desagradável, haja vista seu meio sorriso. Muito embora eu não tivesse certeza se ele havia sido um gesto de simpatia, ou de desdém. Uma coisa era certa, com aquele, talvez, simulado sorriso ela havia revelado que, apesar de não ter demonstrado haver-me notado desde o princípio, mentalmente registrara minha aproximação Já esperava com isso uma negativa, mas era possível que surgisse a oportunidade    dela declinar o próprio nome. Eu poderia ter-lhe perguntado a localização de determinada rua, porém se ela dissesse que não sabia, ficava desconcertante estabelecer uma conversação. Mas ela  era esperta. Ao  invés de me responder, formulou uma pergunta. Fez uma parada e olhando sempre para baixo,  perguntou: Você conheceu alguma garota parecida comigo com o nome de Lúcia?                
A pergunta que ela fez, desconsertou-me um pouco, porém cobrei a presença de espírito e disse: Você me pegou. Na verdade conheci uma jovem muito bonita, parecida com você, mas não tenho absoluta certeza, se o nome dela era Lúcia ou Célia. Disse isto olhando também para o chão,  para não me perturbar com a maneira inquiridora da jovem.
Com a voz diferente, meio áspera, ela virou-se e disse: Corta isso malandro! Está pensando que eu sou bobinha para viajar em sua conversa!  Com essa tática quantas já abordou, para conquistá-las? Diante dessas palavras de admoestação  e censura, surpreso, eu procurei encarar a jovem para tentar sensibilizá-la por sua maneira descortês. Ao mesmo tempo, desfazendo-me em desculpas, demonstrei ser  uma pessoa educada e não revidaria a indelicadeza com grosseria.                    
Porém grande foi o meu espanto, quando a olhei diretamente nos olhos e vi, não aquelas íris azuis e suaves, e sim  dois minúsculos fachos de fogo azulado com intensidade diabólica.
Confesso, fiquei aterrado, sem fala. Apavorado baixei a cabeça e procurei afastar-me depressa. Depois de alguns passos, parei por curiosidade e olhei para trás. Outra surpresa. A moça, naquele mesmo instante, havia desaparecido completamente.  

  

 

   
Conto publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição Especial - Julho de 2015