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Gilberto Feliciano de Oliveira
Araguari / MG

 

A difícil decisão de Regina

 Regina saíra da faculdade apressada; precisava correr se quisesse pegar o último ônibus, chegar a casa a tempo de tomar chocolate quente, comer uma ou duas rosquinhas — o regime tinha que ser rigoroso — e programar a aula da noite seguinte.
Durante o dia, ela trabalhava num dos setores da faculdade onde lecionava. Era forçada a mostrar serviço, se quisesse manter o emprego que lhe permitia sobreviver, como também, as aulas que conseguira a custo, para gerar alguma renda extra. Vivia em um bairro afastado do centro, numa pequena morada construída com lajes de cimento e telha de amianto, o que gerava um calor insuportável durante o dia e um frio intenso durante a madrugada.
            Apesar da vida dura que levava, Regina conseguia manter o sorriso nos lábios, quando necessário, e a permanente concentração nas leituras, temas de aula. Era metódica, rigorosa e amiga dos alunos, contudo, não admitia falhas ou relaxamentos; se dominava a matéria, também desejava que a recíproca fosse a mesma por parte dos pupilos. Suas aulas eram interessantes, mescladas com humor e seriedade. Os alunos eram inquiridos sobre o tema em estudo no dia, enquanto faziam anotações infinitas nos blocos de rascunhos.
            Num de seus poucos momentos de descontração, certo dia, Regina narrou para a turma sua rotina repleta de afazeres. Ao chegar a casa, após o trabalho, ela retirava a roupa, tomava um banho demorado e reconfortante, fazia o jantar e enquanto não chegava a hora de ir dar aulas, via um pouco da programação exibida nos canais culturais. O que mais apreciava eram as reportagens sobre autores e suas vidas. Aos domingos, gostava de assistir ao programa “Café Filosófico”. Também adorava os musicais, principalmente se neles houvesse a presença de Caetano Veloso, seu ídolo número um, Chico Buarque e outros tantos compositores da música popular brasileira.
            Estava ela, certa ocasião, fazendo suas tarefas rotineiras de lavar louças e efetuar a limpeza da pequena morada quando deu com seis filhotes de rato, rosados e fofinhos, a habitar o velho sofá da sala. Sem saber como proceder, Regina permaneceu, por algum tempo, estática a observar os pequeninos. Enfim, decidiu que a casa, sendo bem restrita, não poderia acomodar mais nenhum habitante. Resolveu dar preferência aos antigos moradores sendo então, obrigada a dar cabo das inocentes e repugnantes criaturas.
Tomada a decisão radical, ficou a mentalizar a melhor forma de se livrar dos animaizinhos causando-lhes o menor dos sofrimentos; afinal, eles também eram criaturas de Deus, segundo os crentes, bem entendido! Portanto, não deveriam ser sacrificados de maneira irresponsável e dolorosa. Pensou, pensou e pensou, não conseguindo chegar a uma decisão que lhe agradasse. Opção um: Se eu colocá-los dentro de uma vasilha com água fervente? Não, seria muita covardia e muita dor para eles! Opção dois: Se os levasse para o quintal e lhes arremessasse em cima uma pedra enorme ou os atirasse na rua para que algum veículo os esmagasse? Ai!! Isso seria no mínimo uma falta de consideração e uma maldade imensa! Ah! Já sei o que fazer,  pensou alegre, Opção três e mais viável: envolverei os filhotes num jornal embebido em álcool e botarei fogo, isso lhes proporcionará morte rápida e certamente indolor. Já que as criaturinhas ficarão dopadas com o líquido, não terão sofrimento nenhum! Sim! É isso o que farei!
Regina dirigiu-se à cozinha, apanhou um pacote de jornais velhos e o litro de álcool que ficava guardado em cima da cristaleira. Rumou em seguida em direção ao  sofá,  apanhou os fedelhos envolvendo-os com jornal; despejou sobre o pacote uma quantidade considerável do líquido altamente inflamável. Levou o embrulho até o quintal de casa e ateando fogo, ficou a observar o resultado.
Uma chama, vermelho-azulada, propagou rapidamente e daí a pouco, Regina, assustada, ouviu estalidos vindo do meio das chamas assemelhando-se ao estouro de pipocas na panela. Compungida, pôs as mãos no rosto e derramando pranto sofrido murmurou entre soluços que vinham de dentro de seu peito: O que foi que eu fiz com os pobrezinhos meu Deus! Seu choro foi triste, mas não trouxe os ratinhos de volta.
Depois de algum tempo, já conformada e descansada do serviço doméstico, Regina sentou-se no sofá, abriu o livro da Clarice Lispector e começou a ler um de seus muitos contos; o conto em questão ensinava como exterminar baratas; pensou contente: até que não é má ideia essa da Clarice. Daí a pouco, várias baratinhas miúdas apareceram no alto da parede da cozinha vindas, certamente, do quintal do “vizinho espião”, codinome apropriado, pois o malandro gostava de espiar a professora pelas frestas da laje enquanto ela tomava seu banho demorado, alisando suas belas formas e sorrindo enigmática.

   
Conto publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição Especial - Julho de 2015