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Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

Meninos com suas aventuras

“.... Se esta rua, se esta rua,  fosse minha... “
Cantiga,  uma verdade real. Mais do que ladrilhar com pedrinhas de brilhantes, daria para atapetar com a própria história de vida.
Esta Rua em questão, é simplesmente uma Travessa com 4 quadras, segundo as normas de urbanização, porém tem o valor da Via Ápia. Repleta de histórias reais.
Uma rua só de meninos e, para os meninos. Cresceram livres como o vento. Aprontaram como todo o moleque que se preze.
Líder por natureza até hoje sem muita paciência, inventava aventuras. Todos com  apelidos, interessante, dados casam direitinho com o sujeito que o recebe. É a sabedoria popular.
Estes meninos resolveram partir para uma aventura, mais audaciosa.  Combinaram todos os detalhes: Quem levaria o quê? A lanterna, a primeira a ser lembrada. Dois jogos de pilha para não ficarem no escuro. O baralho, as barracas. O som também. O fósforo, tentariam fazer o fogo, como os escoteiros, mas o melhor é garantir.
Compraram os comes e bebes. Não podiam esquecer os primeiros socorros, um curativo é bom saber fazer.
A última noite, antes do acampamento, foi complicado dormirem. A ansiedade era grande, pela primeira vez iriam acampar sozinhos.
- Não precisa se preocupar pai! Tem uma casa logo perto, disseram. Lá já tem telefone porque nós vimos os fios.
- É, pensou o pai. Não posso criar filhos que tenham medo de tudo. Preciso deixá-los livre. Eu mesmo quando guri, quantas vezes, andei pelo mato caçando, pescando, comendo frutas silvestres ou como aventura. Mas os tempos eram outros, dizia a voz da razão. Em fim vamos confiar em Deus.
Assim os meninos conseguiram autorização. Repetiram uma façanha milenar da humanidade de posar na floresta. Mal sabiam eles que a aventura seria fantástica.
Partiram, seguiram pelo Norte da cidade de Pato Branco. Chegaram ao Campo de Aviação.  A primeira parada. Olhara aeronave de pequeno porte ali parada. Até explicações do piloto conseguiram, pois ele, aguardava os passageiros. Entraram na cabine. Sentiram-se voando.
Tomara um bom sorvete, afinal passariam dois dias acampados
Logo encontraram o Capitel de Nossa Senhora Aparecida. Os Capitéis ou as colunatas romanas, erigidas pelos imigrantes italianos. Rezaram uma Ave-Maria, um Santo Anjo, pedindo proteção.
Os meninos felizes apesar das suas bicicletas estarem carregadas, pesadas, foram pedalando pela estrada de chão, rumo ao seu destino.
As raízes da humanidade afloraram em todos eles. Quando livres, realizam um pouco do que foi a história  da civilização.
O capataz do sítio os recebeu. Estava autorizado a deixá-los pernoitar. Os cachorros, presos.
Escolheram o local, ergueram as barracas. Organizados, bem dispostos, o radinho, pendurado numa forquilha, ouvindo a Celinauta, num instante estava tudo montado.
Arranjaram lenha, no capão, escolheram um tronco grosso para ser o braseiro, permaneceria aceso, à noite toda.
O fogo é uma das realizações do homem. Em torno de uma fogueira se fazem planos, revive o que já passou. Também se consegue aquecer o corpo, satisfazer a alma. As amizades fortificam-se. A vida se torna mais bela.
Dedilhando o violão cantaram cantigas conhecidas, também contaram muitas histórias.
A noite se avizinhava, trataram de assar o seu churrasquinho na grelha. A carne já temperada. Esquentaram a água, passaram o café como os tropeiros. Conversaram até o sono, somado ao cansaço ser mais forte.
Dormiram não muito tranqüilo, cada barulho na mata ou o piado de uma ave noturna algum deles acordava, num sobressalto levantava dava uma espiada voltava para o colchonete. O fogo aceso foi à segurança.
Nos primeiros raios de Sol, pularam da cama. Foram explorar os entorno do sítio. Andaram, olharam, resolveram seguir uma trilha bem batida. Um piá até enxergou  pegadas de pequenos mamíferos.
-          Eu acho que foi um tatu que andou por aqui.
-          Como que você sabe?
-          Ora!  Quantas vezes, eu já andei no mato.
Mais adiante  encontraram uma nascente de água. Limpinha, bem fresca resolveram lavar o rosto. Fizeram uma concha, com as mãos tomaram água. Gesto milenar, refletindo o conhecimento herdado.
Subiram nas árvores, balançaram-se nos cipós, foi uma festa. Continuaram para frente. Qualquer direção é sempre para frente. Não podemos esquecer que a Terra é redonda e, que todo início é também o término de qualquer caminhada, falou o Fernando, repassando conhecimento geográfico de sala de aula. .
Os guri se encantaram com a pinguela. Gastaram mais de meia hora indo, voltando, se embalando.
Alguns bons quilômetros foram percorridos. Tiraram as mochilas das costas, livres rolaram na grama. Sentaram, descansaram. O encarregado de fazer o fogo começou trabalhar ajuntou, os gravetos, a lenha. Fez uma pequena valeta, sulcou a terra com um galho de árvore, como faziam os índios Kaingangues, para o fogo não se propagar.
-          Sabe vou tentar acender o fogo como os homens da caverna.
Riram todos, se ajuntaram a ele na torcida. Esfregaram os pauzinhos, passando de mão em mão, todos cansaram... Que nada, nem sinal da fumaça.
-     Sabe é bem mais fácil o nosso tempo. Feliz o homem que inventou o fósforo.
Fogo aceso. Tiraram alguns galhos das árvores, improvisaram excelentes espetos. Conversaram enquanto a carne assava. O cheiro desprendido, atiçava a fome. Perto deles uma lagoa com uma geringonça, parece para a captação d'água. Tomaram um bom banho, se empurraram num pequeno trapiche, foram fazendo as suas acrobacias. Até andaram na canoa velha, esquecida por ali.
Depois de brincarem na água, tiraram os calções, puseram para secar, ficaram só de zorba. Assada a carne, almoçaram, não sem antes quase brigarem, pois o encarregado do pão, deixou  lá na barraca.
-     Tudo bem, vamos ver se não esquece mais, seu estrume. Disse um deles. O mais sábio falou:
-      Vamos fazer assim, lembrar uns aos outros, das tarefas de cada um. Fica mais fácil.
      Almoçaram, sentaram-se na grama, alguns improvisaram troncos como bancos, descansaram. Um deles até subiu em uma árvore, se aninhou em um galho. Um belo macaco! Os “primatas” mais evoluídos repetem os gestos feitos durante a evolução.
   À tarde percorreram as trilhas. Saborearam frutas da mata. Encontraram um cacho de bananas, maduro. Chegaram até uns canteiros enormes. Mudas de diversas plantas estavam bem cuidadas nos canteiros.
- Ah! Já sei, nós estamos no IAP. Lembram, passamos por lá, ontem. Oh! Que bom! Estamos protegidos.
- Como vamos saber da hora? - Perguntou o Paulo.
- É só olhar o Oeste, cuidar do horizonte quando o Sol estiver caindo, pouco depois, anoitece.
- Riram. O Sol caindo?
- É o modo de falar,- disse Cide.
À tardinha voltaram ao sítio, ao acampamento.
Dormiram realizados. Não acordaram, com nenhum estalido de árvores ou  mugido de animal. O vento também não incomodou. Estavam cansados e felizes.
Pela manhã percorreram o caminho de volta. Os  aventureiros, graças aos cuidados dos adultos, vão se transformando em homens experientes com muitas lições de vida. Um dia contarão aos seus netos o que era possível ser feito em tempos passados, quando os homens eram mais civilizados, menos agressivos. Meninos podiam explorar as redondezas, fazerem experiências de vida, fazerem suas aventuras.
Bons tempos!

 

   
Conto publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição Especial - Julho de 2015