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Jorge Braga da Silva
Peruíbe / SP

Vovó, whatsapp?

Ah, esse mundo moderno!
Eu não pensei duas vezes quando meu neto mais novo, que sempre se interessa em explicar-me essas coisas da tecnologia que ele adora, perguntou-me se eu não gostaria de ganhar um celular de presente. Eu disse sim. Sou uma octogenária, mas não estou morta. Por que não poderia aprender um pouco dessas coisas da informática?
E foi a minha primeira vez num celular. Fiquei bem enrolada de início, mas logo fui pegando o jeito. Meu neto mais novo, o Toni, me ensinou tudo e foi o primeiro para quem enviei uma mensagem pelo WhatsApp. Era minha estreia no mundo das comunicações digitais. Foi assim:
VOVÓ
Querido Toni, melhorou da gripe?
TONI
Oi vó?!! Vc no ZapZap?! Fácil né?
Seja bem vinda! Ah, já estou quase bom,
Obrigado. \o/ YW
VOVÓ
Até que não é tão difícil quanto eu pensava.
Sou ainda bem lenta para digitar, mas estou
fazendo progressos. Só não entendi as
letrinhas no final...
TONI
São chamados emoticons. \o/ é feliz com os
braços para cima e YW é seja bem vindo!

VOVÓ
Ah, entendi, assim a comunicação fica mais
ágil, não é?
TONI
Isso mesmo, vó. É a tecnologia unindo
as pessoas. Nossa, isso parece um
comercial de TV. Kkkkkkkkk!
VOVÓ
Acho que estou pegando o jeito, Kkkkkk
é você rindo, acertei?
TONI
Bingo! Kkkkk


Ter um celular e participar do Zap-zap, como meus netos chamam o WhatsApp, foi uma ideia genial. Só o Toni, mesmo! Antes eu vivia aqui na casa de repouso me sentindo muito isolada do mundo. Mesmo com tanta gente a nossa volta, tem hora que nos sentimos muito sozinhos. Aqui tem gente que quase nunca recebe uma visita. Recentemente ingressou um senhorzinho numa cadeira de rodas. Ele quebrou o pé e achou melhor ficar se recuperando em uma casa de repouso. Ele chegou pensando que teria quarto privativo, afinal o preço da estadia não é barato, mas foi colocado junto com mais três velhinhos. O problema é que dois deles estão em vias de morrer e assistir a agonia dos coitados, sem poder fazer nada é terrível, ele disse. E o terceiro companheiro de quarto tem Alzheimer. Outro dia o recém-chegado estava muito chateado porque, quando foi escovar os dentes pela manhã, descobriu que alguém se antecipara e havia usado a escova dele. É isso que quero dizer. Aqui é legal, mas tem hora que ficamos muito tristes com as coisas que acontecem. Ou que não acontecem quando a gente espera. Dá uma depressão! Mas ainda bem que a tecnologia hoje faz maravilhas. Ganhei o celular do Toni. Ele me ensinou todos os truques do bichinho e agora eu me divirto muito falando pelo Zap-zap quase todo dia com pelo menos um dos meus seis netos.
Ah, com licença um minuto, alguém mandou uma mensagem. Já fazem alguns dias que estamos planejando um encontro.
Que boa notícia o Zap-zap me trouxe! Estou muito feliz, acabamos de combinar nosso encontro para hoje à noite, aqui na casa de repouso. Todos meus netos virão me ver. Conversar pelo Zap-zap é bom, mas o contato humano é muito melhor. Faz tanto tempo que não os vejo e agora virão todos de uma vez. Não é incrível?
Pronto, a noite chegou e vieram todos. Estamos aqui na sala de visitas reunidos, sentados no enorme sofá em forma de “L”.
O Toni chegou falando alto com aquele seu vozeirão, espalhando alegria. Ele é muito extrovertido. Abraçou-me e beijou-me. Trocamos algumas palavras e agora ele está sentado ao meu lado inteiramente concentrado em seu celular. É o WhatsApp dele que não para de tocar. Mensagens de todos os lugares do mundo, de muitas e muitas pessoas. É, o Toni é muito comunicativo.
E a Mariana, sentada no extremo do lado maior do “L”? Como é ágil digitando naquele minúsculo celular, mesmo com seus dedos gordinhos. Dá última vez que nos vimos ela ainda era bem magra.
Aqui, a meu lado, o Jackson. Ele só me beijou, disse “Oi, vó”, sentou-se no sofá, sacou o celular do bolso e mal respondeu aos cumprimentos dos meus outros netos, quando eles foram chegando. Entre ele e a Mariana estão a Grazi e a Rafaela. Adivinhe o que elas estão fazendo? Vou dar uma dica: estão com seus celulares em mãos.
Volto-me para o lado menor do “L” do sofá na esperança de uma boa e agradável conversa tradicional. Aquela que damos atenção ao nosso interlocutor, apreciamos as fascinantes expressões de sua face e os brilhos que vão mudando em seus olhos. Às vezes até o abraçamos ou seguramos suas mãos, mesmo que muito velhas, frias e cansadas. Mas, junto a mim, deparo com a Larissa totalmente grudada em seu celular, de tal forma que tive dificuldades de discernir onde um começava e acabava o outro. Finalmente, no extremo deste lado, o Felix. Meio careca, meio gordo, metade do corpo escorregando para o chão sob o peso de imensa barriga. E nas mãos dele, repousando confortável sobre o barrigão macio, o que havia? Sim, ele, o celular, plugado no WhatsApp!
Fora os constantes toques de aviso do Zap-zap, só o silêncio dos humanos conectados e concentrados em intensa comunicação com outros humanos distantes, espalhados em muitos lugares não sabidos do planeta, mas certamente não ali, naquela sala solitária. Percebo que a tecnologia parece meio paradoxal, sei lá. Quando as pessoas estão longe, ela as aproxima. Quando estão juntas, ela as afasta. Que coisa!
O tempo passa, eu ali olhando as caras de Zap-zap dos meus netos absortos em suas conversas virtuais. O que eu podia fazer? Continuar ali, excluída, ignorada? “What’s up to the world”, o que está acontecendo com o mundo? Eu pensei.
Então apoderei-me do meu celular, que jazia até então esquecido em minha bolsa, entrei no WhatsApp e disparei uma mensagem:
VOVÓ
What’s up?

 

   
Conto publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição Especial - Julho de 2015