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Lourival da Silva Lopes
União / PI

Eu, loucura?

O inferno são os outros. Falaram-me que foi Sartre quem formulou essa ideia. Nunca li Sartre, mas sei que ele pensou que a “existência precede a essência”. Então, fico imaginando que os outros estão sendo espreitados, comentados e devidamente massacrados por um eu, mesquinho e implacável. Eu? Não. Algo misterioso e satânico que existe dentro de nós, capaz de maldades incríveis, como, por exemplo, achar que temos sempre razão.
É difícil mensurar o que há dentro desse eu, no entanto as pessoas recorrem ardilosamente a ele para agigantar-se contra os outros. Há sentimentos repugnantes, ideias escabrosas, conceitos manipuladores, inveja, egoísmo, falta de caráter, etc. Coisas que me afastam daqueles que desejo punir. Estou desejando punir alguém, fazer-lhe mal, denunciá-lo, mesmo sem ser culpado? Só porque quero denunciá-lo, puni-lo, prejudicá-lo?
Não tenho inimigos, tenho vítimas. São pessoas que estão a minha frente, vencedoras, inteligentes, perspicazes. Quero detê-las, aprisioná-las, afastá-las do sucesso? Acho que é o sucesso das pessoas que me incomoda. Não consigo ver ninguém bem, que me dá raiva, revolta. Fico louco.
Loucura não tem controle. O louco perdeu o juízo, o senso, a razão. Não precisa ser provocado, pois de nada disso entende. Fico louco só de ouvir alguém me chamando de louco. A loucura me enfurece.
Soube por alguém, que estudou muito, que um tal de Erasmo de Roterdã escreveu um Elogio da loucura. Devia ser um grande cara, não é tão fácil assim fazer um elogio à loucura. Aquele Kafka era um louco varrido. Imagine uma pessoa se sentir metamorfoseado em um inseto. Era louco, mas acho que ele estava certo. Os homens são, de fato, insetos metamorfoseados.
Mas loucura mesmo era o cara ver um jerico e achar que era um manga-larga de nome Rocinante; ver prostitutas e pensar que fossem rainhas; imaginar-se cavaleiro andante. Loucuras de Cervantes de Saavedra.
Ah, sou louco mesmo. Só louco. E não desejo te amar como ninguém te amou. Essa Gal Costa, vai ver, era louca também.
Loucuras à parte, o que há mesmo é um grande desejo de conhecer esse meu eu, de saber o que ele deseja, o que pretende, saber qual será o próximo alvo. Eu, e não o meu eu, espero que um dia possa encontrar-me, possa falar-me, dizer-me que de loucos todos temos um pouco, mas não ao ponto de infringir regras, de ultrapassar limites, de provocar mortes, de afugentar os outros.
Quero dizer, com todas as letras:
- O inferno somos nós mesmos.

 

   
Conto publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição Especial - Julho de 2015