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Francisco das Chagas Dias
São Luís / MA

 

Carta do desamar

Lenira,

Eu não sei descrever com exatidão o que sinto, só sei que esse sentimento me desperta profunda emoção. Eu sinto tanta saudade e por isso às vezes te telefono, te procuro, vou ao teu encontro; só que tu nunca entendes e me recriminas. E o pior é que nada posso te cobrar, pois sei que tu não gostas de mim o tanto quanto eu gosto, desejo e preciso. De uns dias para cá sinto que estou te perdendo, visto que na minha loucura eu te tenho, e é tão ruim, tão doído, tão triste perder alguém que a gente ama como eu te amo. Mas a vida é isso mesmo, eu bem sei. Só  quero que saibas que não gostei de ti assim por querer, foi acontecendo aos poucos e quando percebi estava envolvido. Daí pensava e repensava diariamente e esperava ficar contigo algum dia, te dar carinho, te abraçar, te beijar, te aconchegar em mim, te amar e bem mais amar. Ah, como eu queria ter e desse modo utópico tu foste virando o meu ar.
Um dia eu espero que tu me entendas e nunca me queiras mal. Não sei até quando vou conseguir te amar? Aliás, sei sim, tento mentir para ti e para mim. Sim, acho não, tenho certeza que será para sempre. Esta certeza creio que é minha sentença pelo crime de te amar demais. Agora fico a pensar se um amor não correspondido pode durar tanto, antes achava que por não ter reciprocidade acabaria morrendo de fraqueza, de sede e a míngua. Eu, na minha insanidade, não queria, ou melhor, não quero que isso aconteça. Só que não depende de mim ou depende? Sinceramente, não sei de mais nada.
Sabe quando encontramos alguém casualmente e aí bate o olho. E de repente sente uma bruta, abrupta, desenfreada, estúpida atração e de imediato sente que aquilo que sentimos é uma coisa única que não vai pintar tão cedo e aí dá medo. E tu desejas tanto que todas as pessoas do mundo sumam e que somente tu e a pessoa existam. É que tudo de certa forma representa empecilho para a concretude do sonho. Atualmente  sinto algo com essas características e foi uma coisa inesperada, louca, alucinante e intermitente. Então toda essa situação em si me fez ver o quanto sou carente. Eu acho até que acumulo em mim “toda a carência do mundo”. Pode parecer puro exagero mas é desse jeito que me encontro agora. É exatamente desse jeito que acontece comigo e sofro por isso. 
O clima ao te conhecer era tão propício para que algo entre nós ocorresse e matasse a minha carência desmedida com o teu carinho. Tinha até fundo musical e aquela cervejinha que torna tudo mais gostoso, escabroso, malicioso e tantos outros ‘osos’ inimagináveis. Parecia que o destino conspirava, isto é, queria me ajudar ou quem sabe, e disso eu não queria saber mesmo, me frustrar mais uma vez. Lembra que fomos acabar na praia e lá numa pequena fração de minutos ficamos a sós e eu esperava ansiosamente que pintasse um convite, um palpite ou um clique. Porém nada houve, nada aconteceu e ali naquele instante tentei forçar uma barra, um papo ousado, uma carícia e o que veio como metralhadora no coração foi o descaso, aquela nojenta e agressora abstração.  Repentinamente, não acho que previsivelmente veio aquela decepção, a frustração, a sensação de vazio e num passe de mágica fiquei estático, alheio ao meio, em suspensão catatônica. Sem graça me isolei e esperei a hora de ir embora, só não fiz de cara porque era quase impossível e a educação também falou mais alto.
A partir desse momento, dia após dia teus olhos carismáticos e luminosos foram me seduzindo de uma forma única. E por mais que  tentasse fugir, não dava, eu não conseguia, estava completamente à  mercê de enlouquecer. Dessa forma avassaladora fui tomado por essa paixão controladora e descontrolada, e infinita, ilimitada, incorrigível. Tu me tomaste de um jeito que não tinha jeito e me deixou sem jeito de escapulir. Sim, eu era seu prisioneiro. Simplesmente eu era seu para sempre, sem não ter como mais viver se não fosse por e para ti. 
Estranhamente a existência ficou sem graça, aliás uma desgraça, pois para quem ama e não é amado é como viver sem a própria a vida, se é que é possível tal coisa. 
Sendo assim diante dessa frustrante descoberta agregada com a imensa decepção de saber que é impossível que tu me ames como eu te amo, venho me despedir. Partirei para muito longe, tão longe que nem mesmo eu sei aonde vou. Não quero sentir de ti nem mesmo o olor, já que nunca senti o sabor, o calor, o frescor, o amor.
O que sei tão somente é que quero esquecer esse sentimento que me consome as entranhas, corrói as vísceras e se tornou o vício do meu ser. E como esse sentimento dói, ah como dói aqui dentro do meu corpo tão sofregamente e puramente container dos meus destroços. 
Hoje, finalmente, me convenço de que nunca, em tempo algum, tu me amarás, apenas e incansavelmente me verás como seu “colega” ou melhor seu “capacho”, aquele que basta esticar a mão para sentir, chamar para vir ou olhar para ver e desejar para estar perto. Contudo eu não quero ser isso, não apenas isso, eu não mereço. De mais, de muito mais eu preciso e como preciso e sofro por saber que jamais terei. Eu, entenda, não posso continuar sendo simplesmente seu pseudoamigo querido. É demais para quem ama tanto e tanto ama e sofre enormemente pela inexistência do mesmo amor no outro, no ser amado, no seu mirado alvo. Sim, o ser amado és tu, Lenira. Eu te amo e acho que sempre vou te amar. Por toda a minha vida, sim, eu vou te amar, imaginar, sonhar e chorar. 
Adeus, nunca mais ouvirás, me verás ou falarás de mim. Será que um dia tu, de fato, soubeste que eu existia. Esta carta que deveria ser de amor, é na verdade de todo o meu desamar. E que ironia, logo eu que pensava que te escreveria inúmeras cartas de amor. De fato ela é o meu último afago a ti e a tudo que sinto aqui dentro e que de ficar tão tempo preso no peito se acostumou com o anonimato e para o fato de viver eternamente calado o "malfadado amor". Calado, distante e latejante de uma vez por todas para sempre.
Adeus, novamente, e boa sorte. 
Seja feliz.

Daquele que embora quisesse muito, mas nunca conseguiu ser teu...

Nadson do Espírito Santo de Deus

   
Conto publicado no Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo - Edição Especial - Julho de 2015