Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Ellen dos Santos Oliveira
Aracaju / SE

 

Infância querida

Era uma tarde de domingo e Hariti estava só em casa.  Sua mãe, Dona Maria havia saído para evangelizar e não havia levado a filha como de costume. Talvez o que justificava tal atitude foi o fato da menina ter se queixado de dor de cabeça desde que terminara de almoçar, depois de chegar de uma manhã de domingo na presença de Deus.

Desde que seu pai fora embora, há sete anos, com uma moça de dezesseis anos, Hariti fora levada por sua mãe para as reuniões da igreja. No início Dona Maria buscava através de orações e correntes a volta do marido infiel, com o tempo ela aprendeu a renunciar as coisas mundanas e a viver em comunhão com o criador buscando a salvação eterna e tentando salvar o maior número de pessoas possíveis, e sua filha, já com catorze anos, seguia o mesmo caminho.

Pregar a palavra de Deus era uma atividade muito apreciada pela menina, pois enquanto sua mãe falava sobre as grandes obras do Senhor às pessoas mais velhas, Hariti gostava de evangelizar as crianças. Naquela idade a menina já exercia a função de tia auxiliar na escolinha bíblica de sua igreja, e acreditava que era preciso converter o maior número de crianças ao caminho do Senhor. Afinal, ela aprendera que era necessário ensinar as crianças o caminho em que elas deveriam andar, para que só assim quando adultas elas não se desviaria dele. A menina, que sempre demonstrava fome e sede em pregar a palavra de Deus, naquele dia tinha seu espírito aprisionado e encurralado pela dor.

Ao ser interrogada pela mãe sobre os motivos de tanto sofrimento, a menina gaguejava e falava qualquer coisa franzindo a testa como se tentasse expressar a dor que sentia. Quem não conhecesse bem a dedicação da menina à obra de Deus poderia julgar que a garota mentia para não passar a tarde caminhando no sol quente que fazia naquele domingo.  No entanto, há de se crê que Hariti já tinha moldado o perfil de uma pessoa de Deus e por esse motivo não possuía o hábito de contar mentiras, já que era muito bem instruída a andar no caminho da justiça e da verdade. Acreditando na fragilidade da filha, Dona Maria, cuidadosa e temendo que o sol intensificasse a dor, sugeriu que a filha ficasse em casa descansando, e assim se procedeu.

Sozinha em casa, Hariti procura na TV um programa que pudesse assistir e não encontrou nada que lhe agradasse. Cansada de brigar com o controle remoto, desligou a TV e ligou o rádio, sintonizado no canal cristão. Depois, deitou-se no sofá e ficou ali ouvindo músicas e pensando em sua vida. A menina via música em tudo. Parecia que a melodia acalmava seus pensamentos, principalmente quando estes estavam sempre tão confusos ou tristes. No seu íntimo, em seus momentos reflexivos, ela sentia que a música conversava com seus pensamentos e por isso fazia dela sua companhia.

No rádio tocava a “Minha infância”, uma das músicas preferidas da menina. Realmente a canção possuía uma letra muito bonita e caía bem nos ouvidos das crianças que frequentavam à casa do Senhor. Aquela música trazia em sua mente recordações de sua infância, lembranças tão próximas e ao mesmo tempo tão distantes.

Pensativa a menina ouvia a música, e o trecho que mais chamava sua atenção e que ela fixava bem em sua mente era o que dizia que:

“... lembranças são flores no jardim da vida,
memórias que guardo da minha infância querida...

A menina ouvia a música e uma lágrima insistia em cair, quem sabe não era saudosismo, afinal, como é hábito afirmar a infância é a melhor fase da vida de uma pessoa. Quem sabe não era por isso que Hariti lembrava com nostalgia em sua infância querida..., no que deveria ter sido e que não foi. O que a tranquilizava era pensar que agora estava no caminho de Deus, no caminho do bem, e que tudo seria diferente. Com esse pensamento Hariti converteu sua dor em alegria, e adormeceu ao som daquela linda melodia.

 

   
Publicado no livro "Misticismo e Fanatismo no Conto Brasileiro" - Edição Especial - Fevereiro de 2015