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Otaviano Maciel de Alencar Filho
Fortaleza / CE

 

De sonho a pesadelo

O sonho de todo apostador de jogos de azar é um dia “tirar o pé da jaca”, e esse desejo, em alguns casos, torna-se obsessivo, levando o indivíduo a não ter outra meta que não seja viver apostando, na esperança desse dia chegar. Mesmo sabendo que as chances são mínimas algumas pessoas não se importam com esse fato.
Josimar era um sujeito que se enquadrava nesse perfil: Homem sonhador e esperançoso de um dia ficar rico com o dinheiro que ganhasse nos jogos que realizava. Além de exímio jogador de baralho, também era “bicheiro” e mantinha uma pequena banca de jogos em uma das praças do centro da cidade. Não raro os frequentadores pediam palpites acerca do possível resultado da aposta que estavam fazendo, e é claro que ele não deixava o freguês “na mão”. Revelava os sonhos que tivera na noite anterior com bichos e números e num estranho malabarismo onírico, dava seu parecer. Coincidência ou não alguns dos apostadores, aqui e acolá, acertavam a aposta. Mas como não investiam muito dinheiro na aposta, talvez receosos de perderem o pouco que tinham, não chegavam sequer a ganhar o suficiente para pagar as dívidas que tinham e comumente apostavam novamente o dinheiro ganho. Existiam os clientes “fiéis”, aqueles que raramente não faziam sua “fezinha” diariamente. O termo “fezinha” é muito utilizado entre os apostadores e quer dizer, provavelmente: Apostar acreditando, ter fé que tudo vai dar certo, que a sorte grande vai chegar desta vez.
Josimar, por sua vez, também fazia suas apostas. Já havia ganhado alguns trocados, mas nada que garantisse a ele e sua família um futuro tranquilo sem ter de se preocupar com o futuro.
Certa vez um apostador ganhou considerável quantia de dinheiro apostando em um milhar, em sua banca. Aproximadamente três meses depois o homem retornou para fazer novo jogo.
Intrigado, Josimar perguntou ao indivíduo se ele havia aplicado o dinheiro ganho em algum negócio que lhe rendesse mais dinheiro. O homem retirou os óculos e, abaixando-se próximo de seu ouvido esquerdo disse:
- Amigo, dinheiro que se ganha em jogos de azar é dinheiro amaldiçoado, gastei tudo com mulheres e farras noites afora, só me sobrando alguns trocados que irei novamente apostar.
O bicheiro tornou a perguntar:
- Mas se o senhor perder o pouco que lhe resta, não acertando a aposta, que vai fazer?
- Dificilmente perco uma aposta. – Respondeu.
- O senhor deve contar muito com a sorte, não?
- Coragem, é isso que se deve ter.
- Coragem... Pra quê?
- Vou ter falar uma coisa, se você quiser ganhar algum dinheiro em jogo de azar tem que fazer uma “pulutrica”.
- Sei, mas dizem que isto é fazer pacto com o diabo.
- Talvez seja verdade... ou apenas crendice popular. Particularmente, nunca vi o dito cujo e como essas simpatias dão certo... eu não me preocupo com as possíveis consequências, o que quero é botar a mão na grana e me divertir.
- Mas, só por curiosidade, que tipo de simpatia tem que ser feita?
- Vejo que você tem coragem, porque se não tivesse não perguntaria. Vou então lhe dizer o que fazer. Numa sexta feira, lá pelas duas horas da madrugada, quando todos em sua casa estiverem dormindo, vá até o quintal fique totalmente despido e abrace uma árvore, pode ser um pé de cajueiro, mangueira, coqueiro. O importante é que durante todo esse tempo você não desgrude da árvore e fique em constante oração, pedindo ao “cavaleiro negro” que vem montado em um cavalo branco, que lhe traga o milhar. Dentro de aproximadamente meia hora você irá escutar uns galopes, não se preocupe é ele chegando. Logo depois se aproximará de você e irá perguntar por que o chamou, então fale que quer ver o número que ele traz estampado em seu peito. De imediato ele não o fornecerá, pois você terá de desgrudar da árvore e ir de encontro ao animal e acariciar-lhe a crina. Feito isto, se o cavalo gostar das carícias feitas tocará o solo três vezes com a pata esquerda, então o cavaleiro abrirá a jaqueta e lhe mostrará os números, caso ocorra o contrário ele imediatamente desaparecerá da mesma forma como surgiu.
- Tudo bem, como o senhor se chama? – perguntou virando o olhar para um freguês que se aproximava.
Quando Josimar retomou o olhar para o homem que lhe ensinara a simpatia, não mais o viu, sumira entre os transeuntes.
Passados alguns dias, numa sexta-feira, Josimar resolve por em prática o plano de realizar a tal “pulutrica”. Quando todos já se encontravam dormindo, levantou-se devagarinho da cama, deixando ao lado sua esposa, Severina, e caminhou até o quintal, fazendo tudo o que foi dito pelo homem que lhe ensinara a estranha simpatia.
D. Severina acordou com barulhos vindos da cozinha, procurou seu marido na cama e não o encontrando foi até lá. Chegando viu a porta dos fundos aberta e quase caiu de susto quando viu aquela cena inusitada: O marido nu agarrado no pé de coqueiro dizendo coisas sem nexo. Imediatamente, sob a luz do luar, tomou nas mãos uma vassoura que se encontrava próxima à porta e partiu para cima do esposo, acertando-lhe a moleira. O pobre coitado caiu desfalecido, acordando alguns minutos depois.
- Cabra sem-vergonha, quando tu acordar vai ouvir poucas e boas. – Disse, furiosa!
Após tudo explicado, Severino queixou-se da esposa que não lhe permitira a visualização do último número do milhar. Só conseguira enxergar os três primeiros numerais que formavam o número 666.
Quando o dia amanheceu, estando à mesa tomando o café da manhã, D. Severina contou que ao voltar a dormir sonhou com alguém que lhe indicara o numeral nove. Severino decidiu então colocar o nove no final dos números que conseguira visualizar e fazer a aposta.
No final da tarde, quando da apuração do sorteio, o milhar sorteado foi o de número 9999.
Chegando a casa, contou para a mulher e esta se mostrou pesarosa. Josimar consolou-a dizendo:
- Fique triste, não, afinal essa história de simpatia não dá certo mesmo, o único numeral que saiu foi o que tu sonhaste, os meus não saíram nenhum, viu?
- Será, homem, que com a pancada que dei na tua moleira tu não trocaste os números e passasse a vê-los de cabeça para baixo?!

 

   
Publicado no livro "Misticismo e Fanatismo no Conto Brasileiro" - Edição Especial - Fevereiro de 2015