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Ediloy A.C. Ferraro
São Paulo / SP

Labirintos

Pela janela avistava-se a silhueta, indo e vindo, perambulando, luz acessa demonstrando  a vigília e ausência de sono. Destoava o brilho  na torre de um mar de janelas obscuras, escuras na noite, onde todos dormem, menos aquela figura, destacando-se naquele edifício, pequeno farol no escuro da madrugada. Sua imagem se agigantava com o esvoaçar das cortinas, diante a janela aberta.

Lampejo persistente, alerta nervoso, meio da noite, de repente, chamando a atenção pela luminosidade destoante do restante, estrela solitária realçada como um ponto na escuridão. Faísca em detalhe no todo de um edifício dormente.

Insone, andar impaciente, passos consumidos, o que ocorria com aquele homem, num vaivém constante e ininterrupto, sombra babélica a andar à esmo, destacando-se do breu do anonimato como um vaga-lume?

Indolente ente, na solidão  em ânimo doente, ou de si ausente, na saudades de alguém, na distância presente, será?
Apenas cogitações alheias, buscando razões para se entender aquela situação atípica e preocupante. O certo é que se encontrava sozinho naquela cena destacada contra a luz, entre as esvoaçantes cortinas. Não se percebia outra presença, tampouco parecia conversar com outro alguém. Apenas os cigarros acendidos um após o outro. Clarão que evidencia a dor de um Ser aparentando sofrer em solilóquios, indiferente ao cansaço da vigília prolongada na madrugada. Em que mares navega aquele barco à deriva, em tormentos íntimos?  Donde viria a extenuante ida e vinda, em rápidas pausas, onde debruçava-se  no parapeito alheio a fitar o nada. Estremecimento, tentaria contra si  jogando-se daquela altura?. Não se saberia, pois voltava a andar sempre indo e vindo. Suas mãos tentava deter os cabelos volumosos a teimarem  cair pela testa, fustigados pelo vento da noite amena.

Gesticulava, andando pelos cômodos, sua sombra em contraste com a luz se desenhava pelas cortinas, denotando agitação, retornando sempre à sala, apenas uma imagem de um homem só em suas aflições. Nos gestos  transpira sua dor em gritos mudos, imagem fantasma com a mente inquieta, talvez doidivanas, quem saberia? .

Camundongo de laboratório em experimentos, labirintos em intramuros, guerreando consigo mesmo, duelos íntimos. Ecos mudos, irreais, sopitando especulações de sua causa, leme e norte, folha ao vento, barco à deriva, desatinos?. Quantas impressões passavam aquela visão, na impotência da interferência de estranhos, restava o assistir, compungido, o embate surreal de alguém consigo mesmo. Cinema mudo, ator em alucinante monólogo, visto por outros olhos à distância, observando seu andar tresloucado, suas dores presumidas. Enredo funesto,  questionado ao sabor de quem o assistia, impassível, tentando entendê-lo naquela  encenação. No reflexo de suas inquietações, a compreensão de alguns, inspirando compaixão, e de tantos a desmerecê-lo, julgando-o levianamente sem atinar com suas razões.

Mundo íntimo, conflitos em aflitivos gritos reprimidos, alucinados gestos, desconexos a terceiros e impotentes espectadores de sua angústia e desditas.

Postado na janela, a retina como a registrar o movimento das ruas, pausas raras entre o repetitivo ir e vir, na impassível postura de desatento observador. Vislumbrado, parecendo atento e a um só tempo alheio, à vida que acontecia além.

Da janela, via-se a rua e dela se vislumbrava o homem, debruçado no parapeito, a tudo assistia parecendo nada ver...Como do convés de um navio, na altivez de um comandante e na distância da indiferença. Nos vagos gestos, olhos distantes, parecia absorto em devaneios, entre um cigarro e outro.

Seria um tresloucado, prestes a algum ato suicida? Tênues fios delimitam a sanidade. Do sano, certezas, convicções. Do insano, desvarios, alucinações,  Ser que vagueia entre duas estações, obscuras e claras, na mente açodada, estreitos caminhos, desvios trilhados em ilusões e enganos...

Mente desprevenida, desatenta, fisgada pela depressão, inoculada, sutil como um ofídio, insinua e abocanha, leva a paz, é tristonha. Descolore a luz, embaça, tira a graça é enfadonha, suga energias e exaure,aproxima-se  malsã imperceptível, esgueira-se e domina. Abismos em dores, anônimos sintomas, diagnósticos e cismas. Diáfana e maléfica, contaminando, virulentas chagas na alma. Entorpece, anestesia em profunda melancolia, trevas em profusão. Achega-se à vítima, a doença a entrelaça, são duas e únicas, numa conjunção simbiótica, hospedeiro e parasita. Cadafalso e verdugo, no fio da navalha, sanidade em risco.

Um solitário na imensidão de semelhantes, ilha na multidão, caminhos iguais, destinos diversos, caminhantes do mesmo tempo, em mundos paralelos, experiências e dores,  cicatrizes e crescimentos...

Quedará vencido pelo torpor do sono e cansaço antes do raiar do dia, para viver  no amanhã  nascente a sua história de pacato cidadão no emaranhado das funções que a vida coloca neste palco de inúmeros papéis a serem vividos e desempenhados,  entre atos sucessivos e intermináveis... Até o fim !

 

   
Publicado no livro "Misticismo e Fanatismo no Conto Brasileiro" - Edição Especial - Fevereiro de 2015