Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

As magras estão voltando


   

    Lydia não podia nem pensar a quanto tempo esperava por esse momento. Quanto tinha rezado e pedido que um milagre acontecesse. Sentia-se portadora de uma grande alegria, iria se libertar de uma preocupação que a atormentava diariamente.  Aquela angústia só dava descanso quando ela conseguia dormir.  Lydia passara por necessidades financeiras, perdeu o emprego, adoeceu, e o pai que a sustentava faleceu. Ela imaginava que tinha sido testada pela vida de todas as maneiras. Será que faltava alguma prova ainda? Será que não haveria uma trégua?  Ela pensava: tem o tempo das vacas magras acho que agora virão as vacas gordas.
         Ela gastou todos os recursos financeiros que tinha com a doença do pai. Fez tudo para que ele partisse com dignidade. Depois que passou o longo período de luto, resolveu vender a casa, o único bem que restou, não havia outra solução.  Foi quando recebeu uma carta pedindo que ela comparecesse ao Banco para conversar como gerente. Quando chegou lá foi avisada que o pai tinha um seguro de vida favorecido a ela. Não era uma fortuna, mas dava para pagar as dívidas e quem sabe uns dias em algum lugar para despairecer e espantar aquelas vacas famintas.
         Lydia completara vinte e cinco anos, formada em administração de empresas. Desempregada preparava-se para fazer um concurso público. Teria muito que estudar e se começasse a trabalhar não sobraria tempo para os estudos. Com o dinheiro que recebeu dava para ficar uns seis meses estudando.
         Lembrou que num daqueles momentos de desespero e penúria foi até a casa de uma tia pedir ajuda. A tia disse que não poderia dispor de dinheiro, mas tinha o par de alianças de casamento, já que era viúva. Entrego-as a Lydia.  As alianças eram de ouro, largas e gordas como deveriam ser as vacas sumidas. Acrescentou mais umas poucas joias que tinha e foi penhor. Deu um bom dinheiro. Ela pagava religiosamente os juros e esperava um dia poder devolver as peças à tia.
      Tem vezes que a vida prepara provas com questões complicadas e não entrega o gabarito. Nós nunca sabemos se acertamos ou erramos. Ou qualquer resposta está correta. Vai saber...
     Quando estava saindo de casa para pagar o empréstimo e resgatar o penhor, pensamentos assustadores invadiram a sua mente... E se alguém a vigiasse e roubasse aquele tesouro?  Então teve a ideia de levar uma bolsa de supermercado, colocou um pouco de papel, outras bolsas emboladas e mais duas garrafas de plástico vazias dentro da sacola para dar impressão de compras.  Foi até a Caixa Econômica no Centro da cidade. Enquanto aguardava chegar a sua vez, pode perceber quantas pessoas usam desse  recurso e sentiu-se mais integrada à vida, não estava sozinha passando por momentos difíceis. Resgatou as alianças e adornos, embrulhou em guardanapos e colocou dentro de um saquinho de papel, jogou rápido e disfarçadamente dentro da sacola de plástico e saiu tranquila. Pensou no tamanho da generosidade da tia e estava muito agradecida a ela.
         Chegou feliz em casa, tinha até lanchado num boteco. No dia seguinte à tarde, assim que a faxineira terminasse o serviço, iria visitar a bondosa tia Maria e devolver para ela aquelas preciosidades.
           Xô vacas magras!
        Tem peças que além do valor real que possuem elas tem um valor intrínseco, uma história.  Alianças de viúva devem ter um memorial de lembranças e aquelas seriam a maior relíquia para tia Maria.
Quando a diarista terminou os serviços foi falar com Lydia:
       - Já terminei a limpeza, deixei os temperos prontos, e coloquei o lixo. Até semana que vem dona Lygia. Nesse momento Lygia estava procurando a sacola e lembrou de perguntar à diarista:
      -  Você viu uma sacola de supermercado que estava no meu quarto?
      -  Uma cheia de bolsas e papeis amassados? Coloquei na lixeira, eles recolhem o lixo cedo.
           Lygia levou as mãos à cabeça e gritou: - Não acredito!!!  Tinha uma vaca gorda dentro! As magras estão voltando.

 

 
 
Conto publicado no livro "Nossos casos, nossos causos" - Edição Especial - Setembro de 2015