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Francisco das Chagas Dias
São Luís / MA

 

Sentindo os sentidos

Artur descobrira que estava com câncer havia seis meses. Ele morava sozinho e estava longe dos pais e dos irmãos que moravam no interior. A mãe, assim que soube, veio acompanhar e cuidar do filho caçula.
No momento ele se submetia a sessões de quimioterapia. Certo dia, Artur e sua mãe retornaram de uma dessas sessões. Dona Yara percebia o filho fragilizado emocionalmente, debilitado fisicamente e com semblante cansado. Ela não se continha e se refugiava na cozinha onde copiosamente derramava muitas lágrimas longe de Artur para não deixá-lo perturbado.
De longe ela o observa recostar-se no sofá e ligar a TV. Artur fazia-se de forte por causa da mãe, mas tinha horas que aquilo tudo estava além da sua vontade e forças. Esse era um dos dias. Ele tinha que a sensação que algo seu se afastava de si, assim lentamente. Somente não conseguia identificar o que era.
Enquanto isso a mãe lhe preparava uma sopa e uma sobremesa que ele adorava: pudim de coco. O cheiro invadia toda a casa e Artur pensa em comer apenas para satisfazer a mãe, porém fome mesmo não sentia nenhuma. Nos últimos dias ele se sentia como se estivesse com bulimia e anorexia. Noventa por cento do que comia ele vomitava.
Ele também reconhecia que nunca fora assim tão apaixonado pela vida, contudo morrer daquele jeito era tão estranho e torturante. Ele se sentia um criminoso cumprindo sua sentença a duras penas.
A vida se esvaía e ele não chorava, nem ria, somente assistia. Era testemunha ocular a revelia. Era um protagonista sem o brilho da fama e sem as regalias do dinheiro. Era mocinho e vilão sem opção. E ao mesmo tempo era um coadjuvante indispensável.
Como de costume nesse dia ele comera a sopa e a sobremesa depois pegou a toalha e disse à mãe que iria banhar. Já no banheiro ele abaixa-se e vomitava tudo. Era sempre assim. Nesse dia em especial ele não se sentiu vazio após tal fato e então chorou compulsivamente pela primeira vez. Era como se a perda tivesse finalmente se consumado.
Minutos depois no sofá e de pijama. Artur reclama para a mãe, que assistia à última novela do dia, o quanto ultimamente fazia frio. Ele acomodou-se no sofá e colocou a cabeça no colo da mãe. Ele devido aos últimos acontecimentos se sentia um menino novamente. Então fala para a mãe que queria uma coisa a ela, mas estava com vergonha.
Dona Yara dá uma gostosa gargalhada e retruca docemente:
- Fala filho, atendo qualquer pedido seu.
- Hoje mãe queria dormir com você como quando tinha 5 e 6 anos. A senhora lembra?
- Claro que lembro você me abraçava e colocava a cabecinha no meu peito e em questão de segundos adormecia feito um anjinho. Às vezes pegávamos no sono juntos, mas quase sempre você dormia primeiro. Sempre foi um dorminhoco. Mas me diga você está sentindo alguma coisa filho?
- Não estou bem, apenas, apenas sinto vontade de ser criança novamente e nunca mais crescer. Se pudesse pedir algo hoje pediria isso mãe.
Após essa frase de Artur a mãe o abraço com toda a força que seu corpo possuía e em alto e bom som disse que esse era um ótimo pedido e que se pudesse o tornaria realidade.
- Que mãe não ia querer isso, ter seu filho criança eternamente? Ela questiona.
Terminado o capítulo da novela, Artur e sua mãe foram dormir. Ela fez questão repetir o ritual que fazia nos tempos de criança do filho. Ela enxugou os cabelos dele com a toalha, penteou e depois se colocaram na cama como nos longínquos anos da infância perdida no atroz tempo.
E assim com a cabeça no peito da mãe, agarrado a ela e escutando as batidas fortes do seu coração Artur começou a sentir de repente um forte cheiro de rosas; um odor que lembrava uma colônia antiga que sua querida e inesquecível vó Rosa usava. Ele convivera com sua tão adorada avó dos 7 aos 8 anos. No tempo em que sua mãe se recuperava de uma cirurgia delicada que fizera. Com vó Rosa ele se sentia de igual para igual. Tanto é que não queria voltar pra casa dos pais. Com o cheiro veio também o gosto de sorvete com calda de chocolate que tanto adorava. Aos ouvidos chegou a musica “Para Elisa” de Beethoven. Essa música era como sua trilha sonora. Pouco a pouco ele foi fechando os olhos e sentiu uma maciez na mão que era reveladora. Ele na verdade sentia como se estivesse afagando Veludo; o cachorro que tivera no tempo que morara com sua avó. Ele lembra do dia do sumiço do cão e do desespero que ficara. Para sua tristeza Veludo nunca fora encontrado. Como presente final, era dessa forma que Artur encara aquilo que estava vivenciando, ele se viu no campo lindo que antecedia a casa da avó. O campo estava diferente. Estava repleto de flores e com uma grama verdinha e bem viva. Pouco a pouco Artur vai ficando sonolento e então ele não acredita quando vê Veludo correndo em sua direção. Eles rolam na grama e Veludo presenteia Artur com grandes lambidas. Nesse instante ele percebe que é criança novamente e isso o faz ficar muito feliz. Ele sai correndo em disparada pelo campo com Veludo do lado. Mais adiante ele vê ao longe uma casa. Ele corre mais rápido e aí percebe que a conhece. Aquela casa era de sua vó Rosa. E lá estava ela na porta sentada na sua cadeira de balanço e estava fazendo seu crochê. Do lado tinha uma xícara que devia ter chá e uma travessa com rosquinhas de coco. Artur chega onde a avó e recebe um gostoso e caloroso abraço, um beijo com gosto de amor e um cheiro no pescoço cheio de saudade. Artur estava muito feliz, que não cabia em si. Sentia-se leve e seguro. Há tempos não sentia assim tão sereno. Inexplicavelmente ele percebeu se pleno em todos os sentidos possíveis e do fundo da alma desejou ficar assim para todo o sempre.
Passara-se uma semana e dona Yara, o marido e os seus outros dois filhos voltavam da igreja onde fora feito a missa de sétimo dia da morte de Artur. No caminho ela incontrolavelmente sente uma vontade de ir ao cemitério. O marido que dirigia atende ao pedido da mulher. Diante da sepultura de Artur ela abre a bolsa e retira uma foto. Uma foto que tirara no momento que acordara e percebera que Artur tinha morrido dormindo com a cabeça em cima do seu peito. Ele ainda conservava a mesma posição que deitara. E o mais intrigante era o seu rosto que exibia uma serenidade imensa complementada por uma aura de paz e um discreto sorriso que demonstrava uma felicidade desmedida. Outro coisa estranha era que ela não ficara triste no momento que constara tal fato e nem ao menos sentira vontade de chorar. Ficara apenas inerte contemplando aquela mansidão de sua face tão bonita. Artur de alguma forma inexplicável estava feliz onde quer que estivesse e de uma forma que nunca estivera antes e o mais assustador era que dona Yara sentia e compreendia isso.

 

   
Publicado no livro "Nó em pingo d'àgua" - Edição Especial - Abril de 2015