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José Luiz da Luz
Ponta Grossa / PR

 

Perguntas sábias

Havia uma criança solitária numa pequena casa nas matas do Santana, no interior do Paraná. Uma menina de seis anos, filha única, só tinha uma boneca de pano feita pela mãe para brincar e desabafar, era sua única amiguinha de todas as horas. De todas as pessoas adultas, a mãe era a personificação da perfeição: era ela quem respondia a todas as perguntas, sabia ler e contar fascinantes histórias, fazia a mais deliciosa comida, curava as feridas, quem protegia incondicionalmente. Por estar tão presente, acreditava que sua mãe estava acima de todas as outras mães, também ensinando e protegendo a todas elas.
          Num dia de finados a menina olhando o retrato do avô na lápide, que há poucos dias tinha falecido, perguntou:
          — Mamãe, onde está o vovô?
          — Seu corpo está na terra, mas, o espírito... não sei... — disse a mãe surpresa com a pergunta inesperada.
          A mãe se afastou um pouco para chorar em silêncio. A menina entendeu que aquela era a única pergunta do mundo que sua mãe não sabia responder, mesmo assim era perfeita, afinal, nenhuma das outras mães também não saberiam.
          Quando chegou o tempo de aprender a ler na escola, a menina se deleitou com o desejo de tudo aprender, esperava que um dia soubesse a resposta para todas as perguntas do mundo, e quem sabe, revelar à sua mãe a única resposta que não sabia.
          No decorrer dos anos, aos poucos foi descobrindo que havia milhões de perguntas que nem sua mãe, nem os professores não tinham a menor ideia da resposta. E quanto ao antigo sentimento vinha à mente, se ainda considerava a mãe perfeita, respondia a si mesma:
          “Descobri que minha mãe não é perfeita, só Deus sabe todos os segredos, porém ela é digna do meu mais profundo amor.” 
          No final da vida a mãe se tornou criança, o desgaste dos anos definhou seus neurônios, e muito do que sabia ficou confuso, o que era viço ficou enfermidade. Assim, a antiga criança que sempre aprendia, assumiu o papel de sábia: passou a ensinar e proteger. A filha passou a ser mãe da mãe.
         Certo dia a mãe enferma no leito fez algumas perguntas:
         — Quando eu morrer irei me encontrar com seu avô? E Deus!... Por que Ele criou a mim? Por que criou tantos seres? Por que Ele quer tanta gente, e tantos animais? Por que Deus não aparece frente a frente para nós?...   
          A menina que se tornou mãe da mãe não dominou as lágrimas. Ficou esvaecida na tristeza, pois passou metade da vida estudando para que soubesse a resposta para todas as perguntas, entretanto, se viu incapaz de dar uma só resposta à sua mãe com certeza. No final da vida, ela partiria sem saber para onde.
          “Que lixo eu fui, depois de tanta busca na vida, tenho muito mais interrogações do que respostas.” Murmurava em secreto.
         Passados alguns anos a mãezinha partiu para o outro mundo, a menina que se tornou mãe da mãe se via sozinha, então decidiu procurar alguém que fosse iluminado, se possível o melhor de todos os mestres para abrir o coração e desabafar.
          Ela soube que naquelas terras estava de passagem um ancião do oriente, de trajes rotas e pele queimada. Um adepto que depois de profundos estudos na Terra Santa, além de incursões pelo Tibet, Índia e locais secretos, teria como missão sair pelo mundo tentando dar paz e conforto com suas palavras.
          Ao encontrá-lo a menina disse que a vida inteira se angustiava com os mistérios do mundo, da vida e da morte, quanto mais pensava conseguia muito mais perguntas do que achava as respostas. Não suportava a hipótese de que depois da morte tudo se acaba, ou que os espíritos estariam dormindo inconscientes. Particularmente acreditava que estavam acordados em algum lugar, mas nada disso adiantava, pois não tinha a menor chance de saber o endereço, de visitá-los, de conversar quando quisesse, de convidá-los para o natal...
          — Mestre, tenho tantas perguntas a fazer que levaria o resto da minha vida. Como saberei se estou realmente no caminho da iluminação, pois minhas dúvidas superam as certezas.
          O ancião respondeu:
          — Estarás no caminho da iluminação enquanto tiver perguntas, Deus coloca selos escuros em nossas vistas, cabe a cada um procurar clareá-los se aproximando da luz divina. As respostas virão na medida em que você se aproximar verdadeiramente de Deus, pois Ele revela as coisas divinas aos simples de coração, e esconde dos sábios. 
          A menina que se tornou mãe da mãe partiu conformada, reconheceu que ainda era imatura, por isso o mestre achou por bem não revelar tudo o que sabia. Além do mais, nem mesmo o sábio mestre estava de posse de todas as respostas.
          O que lhe restou?
          O que resta a todos nós: continuar na infinita busca da iluminação.

 

   
Publicado no livro "Nó em pingo d'àgua" - Edição Especial - Abril de 2015