Era um dia como outro qualquer no escritório de vendas de imóveis que eu trabalhava. Alguma prosa sem muita importância aqui e ali, mas o que imperava era a concentração no serviço.
Lá pelas dez horas eu e mais alguns colegas aproveitamos que Davi, o office boy, ia para a rua entregar alguns panfletos e lhe pedimos que depositasse nosso dinheiro em determinado Banco, para quitar umas prestações.
Davi pegou o envelope amarelo que continha uma quantia razoável e saiu fazendo alguma graça, como era o seu costume. Ele era muito espirituoso e gostávamos do seu jeito meio cômico, ainda mais que era um rapaz absolutamente responsável.
O restante do dia transcorreu sem nenhum incidente, com algumas reuniões cansativas, mas que trouxeram bons resultados.
Dezessete horas. Preparávamos a saída para o nosso merecido descanso, quando Davi abriu a porta e apareceu diante de nós pálido, trêmulo e amedrontado.
-O que foi garoto? Perguntei assustado.
A princípio ele teve até dificuldade em falar. Depois, aos solavancos, nos contou:
-Fui vítima de um assalto!
-Como? O que aconteceu?
-Deixei para fazer o depósito do envelope amarelo, depois de distribuir os panfletos. Estava caminhando para o Banco quando um moço me parou, empurrou-me e puxou o envelope.
-Ih... Estamos sem o nosso dinheiro, exclamou alguém.
-O moço, mal encarado, fez tudo isto e saiu caminhando, como se não tivesse acontecido nada.
-Você não pediu socorro?
-Estava meio atordoado tentando me levantar. Quando o fiz saí atrás do larápio. Alcancei-o rapidinho. O danado estava tão seguro de si que agia naturalmente. Aproximei-me por trás e lhe disse: - devolva o envelope! Ele fingiu que não escutou, nem se virou, apenas apertou o passo. Continuei atrás dele falando sem parar: - devolva o envelope! E acrescentei: - sou pobre, este dinheiro não é meu, como é que vou prestar conta?
Nesta hora o bandido correu. Corri atrás gritando sem parar a mesma frase: - devolva o envelope... devolva o envelope!
Quase morri de susto quando, já numa rua erma, o homem se estancou de repente e olhou, pela primeira vez, para trás. Parei também e o encarei. Achei que uma briga ia começar e, confesso, tive muito medo. No entanto, ele gritou ainda mais alto do que eu: - que inferno!
Pasmem.
Atirou o envelope ao chão e continuou correndo.
Ainda estupefato, apanhei o referido e conferi. Estava tudo dentro dele. Vocês podem me explicar que tipo de bandido é este?
Olhávamos para Davi, boquiabertos. Não sabíamos responder.
Foi aí que um dos meus colegas, satisfeito por ter seu dinheiro a salvo, pegou o garoto nos braços. Juntamos todos e começamos a balançá-lo. Estávamos eufóricos. Davi, já mais calmo, começou a rir e a pedir que o colocássemos no chão.
-Será que foi a minha insistência? Será que ele teve pena de mim? Ou será que ele era um louco? Dizia Davi, agora em tom irônico.
-Deve ter sido uma mistura de tudo isso. O fato é que nunca ouvimos uma história igual a esta, absurdamente improvável, com um final tão feliz.
Começamos a sair do escritório com Davi na frente, quando ele se virou e solenemente se condecorou:
-Sou um herói!