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Sergio Tavares
Maceió / AL

 

Os olhos de Irene

O sol estava raiando, quando as gaivotas sobrevoavam seu barco, e um cardume de sardinhas circundava-o em busca de alimentos, Bartolomeu ouviu um estrondo, seguido de uma explosão... o barco havia sido atingido por algo não identificado.
Em poucos minutos, a embarcação “Ilha da Madeira” adernou e começou a afundar, estava indo à pique. Só houve tempo para Bartolomeu, jogar-se ao mar e nadar.
Enquanto nadava em direção ao horizonte, Bartolomeu pode ver ainda, ao longe, quando sua embarcação empinou e foi definitivamente para o fundo do oceano. Ele nada mais podia fazer para salvá-la e, apenas lhe sobrou tempo para chorar e pensar em Virgínia e em Sara. Onde elas estariam? Será que ele conseguiria chegar até à praia? Para que lado ficava a terra firme? Ele estava realmente muito atordoado com a explosão e um turbilhão de pensamentos lhe envolveu.
Bartolomeu boiava ainda totalmente tonto e por sorte se tornara um exímio nadador desde que chegara a Salvador, pois para ele "um marinheiro tinha que saber nadar igual a um peixe".
E ele nadou durante um dia inteiro, chegando a sentir sinais de hipotermia, devido à friagem da maré. Quando já estava escurecendo, com o crepúsculo se formando no infinito, seus braços enrijeceram, e ele já não tinha forças para nadar. Seus membros começaram a ficar paralisados, e suas pernas já não conseguiam impulsionar seu frágil corpo sobre a água.
Anoiteceu.
Bartolomeu começou a flutuar deixando a correnteza levá-lo, pois já estava exaurido, quando viu ao longe uma luz, como se fosse um farol a guiá-lo em direção à terra. A única esperança que lhe restava era conseguir chegar até esse ponto luminoso, pois Virgínia e Sara esperavam-no.
Ao perder a consciência deixou com que o mar o carregasse “em seus braços”, e sem que percebesse, Bartolomeu chegara a uma praia, onde não havia nenhum sinal de habitação nas proximidades. Estava só, faminto, sedento, perdido... era um náufrago abandonado à mercê da sorte...
Naquele lugar, passou a noite dormindo profundamente.
No dia seguinte, foi acordado ao amanhecer por um pescador da região, que o ajudou a levantar-se, e como não conseguisse ficar de pé, o homem arrastou-o, em uma maca improvisada, por folhas de coqueiro trançadas sobre pedaços de madeira, para o aconchego de sua cabana dentro da mata. Ali, ainda exausto e sonolento, foi acordando pouco a pouco e, voltando a realidade desse pesadelo jamais imaginado por ele.
Naquele momento de delírio, ele viu sua terra natal, a roça, suas irmãs, sua mãe, seu pai, seu irmão Pedro, Virgínia e sua filha Sara que vinham, pouco a pouco, chegando para perto de seu leito. Imaginou ver Virgínia ao seu lado e esticou o braço para acariciar seus longos cabelos negros. Quando então ouviu uma voz que lhe dizia:
- Essa é minha filha, Irene. Ela lhe fez uma sopa quente para recuperar o senhor. Qual é o seu nome? O que houve contigo? Acorda e toma o caldo que ele vai lhe fazer bem!
Foi então que Bartolomeu percebeu que estava em uma cabana coberta de palhas, bem humilde, mas bastante aconchegante. Estava diante de um velho pescador e de sua filha, uma jovem de aproximadamente quinze anos, possuidora de uma rara beleza, de cabelos negros e compridos, corpo moreno e escultural, de traços indígenas, olhos meigos e brilhantes como as estrelas.
Titubeando, ele esforçou-se para falar:
- Meu nome é... Bartolomeu. Meu barco afundou a muitos quilômetros da costa, acho que foi atingido pelos "alemães". Eu só sei que nadei até chegar à praia. Lembro que nadava e nunca chegava, achei que não ia conseguir, pois nadei por quase um dia e uma noite inteira...
- Mas conseguiu, meu senhor e, teve bastante força, para conseguir nadar durante tanto tempo. De onde estava vindo o seu barco?
Enquanto isso, Irene permanecia olhando timidamente para o náufrago, tendo nas mãos o prato de sopa, feita com váriosipos de ervas consideradas medicinais. Quando, então, Bartolomeu percebeu o quanto estava faminto e sem perder tempo pegou o prato e tomou a sopa avidamente.
- Eu moro em Salvador. Estava navegando quando fui atingido. Meu barco foi torpedeado, eu tenho certeza que foi um submarino alemão que o atingiu.
O pescador, chamado Jacó, entregou-lhe um caderno enrolado, totalmente impermeabilizado por uma bolsa de couro.
- Isto estava na praia e deve ser seu.
- Meu Diário de Bordo! Foi a única coisa que tive tempo para recolher antes de saltar para o mar. Eu sempre acreditei que o mar me salvaria, pois confio muito na sua força e na sua divina origem. Eu sabia que ele me encaminharia para terra firme sã e salvo. Até que vi uma luz iluminando o meu caminho e que reacendeu minhas esperanças.
E ao abrir o caderno, caiu-lhe aos pés uma fotografia, que ele pegou e, diante de lágrimas abriu seu coração e contou sua história, para o pescador e sua filha Irene.
Logo depois ele perguntou:
- Onde nós estamos? Onde fica este lugar?
- Ilha de Boipeba, e pode ter certeza, meu senhor, que foi Deus que iluminou o seu caminho, pois o mar está tão traiçoeiro que não sei como conseguiu sobreviver – disse-lhe Jacó, homem simples, de ralos bigodes e voz quase inaudível.
Em pouco tempo Bartolomeu adormeceu e começou a sonhar com Virgínia e Sara, e a sentir saudades. Sentiu frio, estava com febre, tremia feito uma vara. Eram os efeitos da exaustão de todo o sacrifício que fizera e, a que ficara exposto no mar.
Delirou por vários dias e noites, e durante seus delírios, viu o farol à beira mar, guiando-o até a praia e ao abrir os olhos, tentando enxergar de onde vinha a luz brilhante, percebeu os olhos de Irene, iluminando o seu caminho como as estrelas no céu.
E imaginou que foi a luz dos olhos dela que o guiou até aquela praia... para a sua salvação.

   
Publicado no livro "Nó em pingo d'àgua" - Edição Especial - Abril de 2015