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Lourival da Silva Lopes
União / PI

 

Fim do sonho

O tempo não me preocupa. Afinal, ele nunca vai mudar. Eu me preocupo é comigo mesmo, com o que poderá me acontecer, se é que vai acontecer. Há pessoas que se entregam: que tempo cruel! Como passa rápido! Ontem eu era assim. Hoje não sou mais nada. Eita, vida ingrata! Vou aguardar a hora final.
- Meu filho, vou levando a vida como Deus quer. Estou só esperado a hora. Não presto mais pra nada. Ontem, era uma mulher de força. Botava um cofo de coco na cabeça e trazia pra casa para quebrar. Fazer azeite para vender e temperar a comida. Quase cega, não faço mais nada. O médico disse que eu tenho aquela doença que a gente não pode comer nada, uma tal de diabete. Eita doença do cão! Estou ceguinha e, para piorar, tenho que ter cuidado com ferimento. Custa sarar. Com a graça de Deus, ainda estou viva. Só viva. Eita tempo cruel! Mas eu não reclamo do tempo, não. O tempo me deu espaço pra viver e criar meus filhos. Pobres, é verdade, mas honestos e trabalhadores. Moro com o meu filho do meio. Tenho dois homens e uma mulher.
Eu encontro pessoas assim. Ando à procura do tempo. Não deixo que ele me persiga. Olho para cima e vejo a lua minguando por entre as palhas dos babaçuais, que balançam seus leques gigantes provocando um som de encanto e sedução. Há qualquer coisa de mágico entre as palhas das palmeiras, na lua minguante.
- D. Maria de Fátima, diga o que a senhora deseja? – Eu quase perdi o fôlego.
- Desejo? Que desejo ainda posso ter? Meus filhos já estão criados, casados. Tenho netos. O que mais posso desejar?
- Sonhar, talvez.
- Ah, isso eu faço todos os dias. Mas sonhos não são desejos. São sonhos. São coisas que estão além da vida. É mais ou menos assim: a gente planta uma árvore, sonhando em poder comer seus frutos. Mas o que a gente quer mesmo é que ela seja eterna e possa oferecer frutos a muitas gerações. Sonho? É lá no final a pessoa dizer: essa árvore foi a Maria que plantou. Isso é sonho.
Eu entendo. Acho bonito ver as pessoas pensando sobre a vida. Então eu fecho um livro e abro outro, só para não ter o gosto de estar sempre começando. É preciso deixar as coisas começadas para não parar de começar. Só assim a gente enjaula o tempo: começando sempre. A vida para ter sentido precisa ser vivida e revivida a cada dia. Re-viver... re-começar. Um pé à frente, outro atrás. Nunca desgarrar os dois ao mesmo tempo. Evitar quedas, mesmo sabendo que a tarefa não seja fácil.
- Filho, não me deixe sozinho, pois a solidão é o fim do sonho.

 

   
Publicado no livro "Nó em pingo d'àgua" - Edição Especial - Abril de 2015