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Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

Um nome vivo que a memória mantém de pé

Havia naquela tarde, embriagada por seus últimos raios de sol que se despediam tão tristemente de sua passagem porque seu tempo havia se findado na rota trasncendental de um Tempo que sempre caminha pra frente, de um Tempo que nunca dorme e também nunca envelhece. O sol se despede numa lucidez tão grande que seus olhos ao fitar a tarde coberta por seus lindos raios compreende que esta é a sua eterna função. Às vezes quando ele aparece sente que alguma coisa está fora de ordem e os humanos sentem isso na pele. Alguns, na sua fraqueza corporal, sentem certos sintomas que os levam a um lugar criado por eles de nome hospital. Eles precisam nominalizar para fixar alguma coisa em algum lugar, para dar sentido a esse “vácuo” sem sentido e sem nome. Eles são espertos e fazem uso de sua frágil inteligência para moldar condições que faça a vida ter algum sentido, criando um sistema perverso de dominação, uma fábrica produtora de duas direções: de um lado, os que comandam, os dominadores, os especialistas, os mais sábios, os mais preparados, os predominávies, os imperialistas, os detentores da “verdade” (frágil verdade! Refúgio do próprio sistema), os escravisadores, os “news colonizadores”; do outro lado, os que recebem o comando, os dominados, os necessitados, os menos preparados, os subalternos, os submissos, os escravisados, os “colonizados”. O sistema cria esse dualismo que é responsável pela desigualdade social, concentrando o poder, desviando os lucros e mantendo a maior parte da riqueza produzida nas mãos de uma pequena parte detentora: os “ambiciosos bichos desumanos”. São assim chamados porque são insensíveis e portadores de uma falsa essência (uma falsa consciência) que não tem nada a ver com a verdadeira essência da qual eles foram feitos. São tocados por uma ilusão, pensando que estão se dando bem.
                Eu, que já há séculos, venho atravessando os mares, as planícies, os planaltos, os lugares intocáveis pelo homem e os longínquos abismos da terra; eu, que não possuo um nome para não ser confundido com outro astro ou qualquer outro nome, porque o homem necessita de um nome. Sem nome ele não se anuncia, e a humanidade é esta eterna construção de sons, ritmos, sentidos, letras e signos que se agarram no princípio da nominalização. Sem nominalização a vida depressa cederia lugar para o “caos-mundo”, como bem sinaliza Édouard Glissant, um desses caras daí de baixo que sabe o que pensa, e eu daqui de cima, percebo que é um desses sujeitos que vale a pena ver no mundo, orgulho de ser o que eu sou, e obedeço à força e à essência que está em mim. Não gosto muito de usar o verbo “obedecer ou desobedecer”, prefiro dizer que eu permito ser o que eu sou, “deixo a vida me levar”, deixo que eu seja movimentado pela contínua “frente” que se aparece, pois é pra frente que devemos caminhar, mesmo que esta frente dê uma olhada rápida pra trás, sem se permitir retornar ao velho rio que já não pode ser visto absolutamente, o rio tempo passado, aquele que dorme em suas águas trancadas por uma força potente e incapaz de ser removida, a não ser através do imaginário que faz parte de nossa essência.
                Eu, narrador que está sempre vendo do alto as coisas acontecerem aqui de baixo, mantenho-me sempre à distância de alguns minutos sagrados da ordem para não causar desordem no cosmo repleto de nomes, qualidades e funções. Poderia dizer que o mundo do qual faço parte se divide em nomes, qualificações e especificações. As pessoas sempre recebem um nome e através deste recebem no decorrer de sua vida várias qualidades de acordo com a sua função desempenhada por ele na amada terra de mil e uma faces. Sinto-me feliz, mas sinto-me também incompleto. Talvez seja a ausência de um “nome” que pudesse me manter mais próximo dos homens de forma mais conscientizadora, de acordo como bem pensou um filósofo que por aqui passou e eu sinto muito a sua falta. E só me lembro por causa de seu nome. Henri Bergson era como era conhecido. Mas, independente de ter ou não um nome, sinto-me feliz porque sou eu que toca, todos os dias, nos corpos humanos, principalmente quando eles estão na beira das praias. Amam a minha presença. E eu gosto muito de todos eles. Fico triste quando tenho que me recuar, mas ao mesmo tempo entendo o meu recuo, senão a terra não caminha e o homem depressa morreria se eu não tivesse que me recuar através de um fenômeno que os homens denominaram de “movimentos rotativos e translativos”, produzindo dentro deste fenômeno o que eles batizaram de “estações”. É no Verão que eu mais me apresento com toda a minha forma de ser. Sem mim, eles jamais dariam um passo, e a terra não seria o que ela é. Por isso sou o narrador mais quente das aventuras narrativas deste mundo.
                Há em mim algo que nunca muda. Minha essência me faz ser sempre o que eu sou. Já até me acostumei assim, mas os humanos vivem tentando mudar o que jamais conseguirão. Ás vezes, eles pensam que estão mudando, e até escrevem sobre as suas mudanças, mas eu que sempre vivo nas alturas antes de sua chegada, tenho visto que os homens permanecem do mesmo jeito: egoístas, materialistas e “transformistas”. São insaciáveis e eternamente inseguros em sua maioria. Choram quando as coisas saem do eixo, entristecem-se quando as coisas não acontecem do jeito que eles gostariam que acontecessem. Alegram-se quando tudo está caminhando conforme os seus interesses, e nem percebem que a vida está caminhando e eles estão envelhecendo. Quando precisam fazer a mudança, eles não o fazem. E quando pretende fazer é tarde demais porque eles descobrem que o tempo passou, e reconhecem tardiamente que eles hão de deixar o tempo seguir porque lhes faltaram potência em seus corpos e força para seguir vivo na caminhada temporal junto com o tempo, a potência que fora dada aos primeiros habitantes deste mundo: Adão e Eva.
                “Triste fim de Policarpo Quaresma”, Lima Barreto soube muito bem escrever, ou melhor, representar os seus lídimos desejos. Eu se fosse o que eu não sou, e tivesse a oportunidade de escolher por algum tempo, seria um humano e espalharia para toda essa gente que vive contaminada pelo poder e pela ganância que parem de se enganar. A vida é uma passagem rápida que precisa ser vivida. Eles não sabem e não possuem a consciência que eu tenho, ou seja, sei qual é a minha essência e ela é duradoura, embora permaneça sempre indo e vindo, sem receber muitas novas notícias, recebendo sempre as repetidas notícias de centramento e descentramento de poderes e de discursos, manipulados pelos próprios homens, mas reconheço que o mundo recebido importantes mudanças, mas eu me refiro à “mudança” em outro sentido, a mudança que toca e transforma o homem lá dentro de seu mundo interior.
                Sempre vejo das alturas as mesmas histórias repetidas pelos homens, as mesmas novelas, os mesmos poemas sentimentais e representativos de um eu lírico concentrado e fixado, os mesmos sonhos, as mesmas práticas que violentam os direitos humanos, impedindo-lhes de exercerem a sua humanidade. O que muda é a essência do corpo humano que está em movimento, mas ainda há muito a se descobrir. Falta coragem para esses pequenos seres vistos daqui do alto, falta-lhes ousadia, pagar preço para que esta essência seja revela. Falta realmente humanidade neste mundo que tem descuidado da sua Mãe-Natureza, mãe da qual eu sou Filho Legítimo e da qual cada ser humano é também parte integrante e significativa. Falta no homem a consciência, ser tocado por uma memória coletiva, em que a sua memória individual consiga perceber-se como uma parte que dela faz parte. Falta nesta humanidade o retorno de homens como Maurice Halbwachs e Walter Benjamin que souberam escrever de uma forma tão socialista sobre a memória de nossa história. São tantos nomes que eu jamais teria tempo de mencioná-los, porque tenho também minhas limitações como qualquer ser vivo que foi criado à imagem da Grande Imagem. A Imagem que faz de mim o que eu sou.
                Sou feliz porque sou dotado de uma força que quando se espalha com a minha presença ilumina a vida de muitas pessoas que moram lá embaixo e de algumas que voam por alguns metros, afastando-se da margem que lhes foram dadas para repousar, se alimentar e manter contato com os humanos terrestres. Sou um narrador fugidio, atravesso noites ausentemente, mas lá estou presente. A mímese de Auerbach me conduz a horizontes que atravessaram os planos de Aristóteles, Platão, Kieerkgaard, Mearleau-Ponty, Freud, Nietzche, Deleuze, Derrida, Kristeva, e tantos pensadores que passaram por aqui, eu jamais os esqueci. Mas há um deles que foi capaz de diante de uma pesada cruz, entregar-se brilhante e humildmente. Ele foi movido por um inexplicável amor que até hoje me estremeço quando recordo daqule dia. Eu estava lá, sou testemunha, sobrevivente desta história. Eu e toda a compartilhada natureza e a espécie humana daquela época e daqueles que “adentram” na minha memória, tornando-a sua. A fé é a peça que faltava para dar à memória este caráter transferível. Faço parte desta memória histórica e inesquecível, uma história que jamais se repetirá. Disso eu tenho certeza. Ele respirava dia e noite amor, dedicação e esperança. Hoje, daqui do alto, sinto-me um pouco triste quando olho para a terra e vejo homens e mulheres profanarem o seu nome, comercializando-o como objeto vendido de acordo com os seus sórdidos interesses. Mas, alguma coisa me diz que algo está para acontecer... Ouço uma voz que silenciosamente toca duplamente os meus ouvidos, toca-me como narrador, e toca-me como escritor que é usado para que esta voz seja compartilhada com a humanidade, seja lida e absorvida pelo profícuo leitor. Nunca me esqueci daquele nome. Um nome que completaria e que formaria a plataforma dos sentidos incompletos da nominalização universal, um nome, um signo, um rastro, um ser em forma de homem, carnal. Aquele homem era diferente de tudo o que eu já havia visto antes na terra, diferente de toda a criação de Elshaday, era o nome dos nomes, era Yeshua, a paz que mantém de pé a humanidade. Jesus era o seu nome, o Cristo esperado pela gente movida pela verdadeira razão, a fé que desmonta os sentidos de seus escombros desvios de silêncio.
                Daquele dia em diante, eu não pude ser mais o mesmo. Fui tocado pela fé, e passei a ter um nome: sou uma estrela de 5ª grandeza. Meu nome é Sol, e Cristo é a única Verdade que me faz movimentar por todos os cantos deste mundo e deste país que eu tanto amo: Brasil, país de coragem, luta e fé.   

 

   
Conto publicado no livro "Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros"- Edição Especial - Julho de 2015