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Ruandro Knapik
Quatro Barras / PR

Exercício 01 – cena paisagem

 
O céu. O céu azul. Tem passarinho, passarinho, passarinho... Voa, voa, voa. Azul. Céu passarinho que voa. O passarinho. Por que você não olha o passarinho? Para. Para agora. O mãe! Cadê a mãe. Mãe? Você estava lá com mãe! Lá embaixo do telhado, você estava? Vocês dois, você e a mãe. Eu te odeio. O passarinho. Ele vai voar embora e você não viu. Você não quer ver o passarinho? A mãe teria visto o passarinho. Porque você não para de me bater na cara. Pode ser que doa, pode até ser que doa. Eu voo neste céu azul de passarinho azul que voa. Para. Cadê a mãe?

Eu sempre vejo isso, e sou um desastre. Desde aquele dia que ficamos só nós eu percebi que eles viveriam um com o outro. Ou eu que queria só isso. Que eles vivessem bem juntos. Só nós três. Eu e eles. Miséria, mas que deu vida. E ainda dá. Comida e roupa, sapato. Escola de manhã também deu. Meus remédios por enquanto dá. Que balance, cadeira, e daqui lá vejo eles. Eles ficaram parecidos, uma pena tudo que aconteceu. Com todo aquele carinho ele seria um grande homem. Ele seria um bom marido, um bom pai. Um trabalhador. Deus mandou aquela bactéria para me punir. Me punir nele. Ele seria o que outro quer ser e tenta. Ele tenta. Amo eles. Por qual motivo agora? Não consigo fazer parar. Sinto tanta dor por não conseguir fazer parar. Ele bate com força, não tem paciência, e eu não me meto. Ele me procura nos olhos, eu desvio. Meu coração dói. Porque sou impotente e ruim. Sou um erro. Eu deveria ter morrido, não ele. Não soube criar: Soube sim, eles estão vivos e isso já é uma grande coisa, porque dar comida e vestir criança é difícil. É que vou falar quando morrer. Tantas jogam fora, jogam até no lixo. Mas ele não para. Vou lá. Que jeito? Vou gritar, não ouvem. Deixa assim. Preciso dele assim. Deve ter sido mais uma brincadeira, e ele anda nervoso. Nervoso também não sei com o quê. Não sei mais nada deles.

Da risada, dá. Você já devia ter tomado banho hoje, você está fedendo mingau de cedo. A mãe não consegue te ver de lá, ela passa o dia sentada, esqueceu? Esqueceu do que, você nem sabe que dia é hoje. Você fica aqui se sujando, olha para tua cara, olha! Olha! Puta merda, que saco piá. Quando você vai conseguir cooperar? Eu sei que você entende quando quer, sempre entende.  Você passa mal e incomoda quando come tanto assim. Já te falei, que saco. Você tinha que entender melhor as coisas. A mãe está velha e não anda direito mais. Não basta o dia inteiro eu passar na rua, ainda tenho que chegar em casa e ter ver assim. Vai morrer. Aprende! Fica aqui, sempre nesse balanço, até esse galho cair na tua cabeça. Você já está grande demais. Você, você já está grande. E eu vou ter você para sempre.

O tempo passou tão rápido. Ontem ainda um ajudava o outro. A engatinhar, a andar. Foi tudo sempre difícil para ela. Esse vento soprou eu enterrada. Quisera o movimento do vento. Ir para o céu azul, viver. Para de bater nele, você não devia. Vocês não podem. Vocês não podem. Sobe aqui, sobe de novo. Pega uma aqui, tem tantas. Você já não sobe mais. Você perdeu e não sobe mais. Você não sobe mais. Vai por cima dele. Não revida. Aceita. Nem entende. Ser estático, lixo. O movimento e o movimentar que sobram ali, e que desdenham aqui. Eles sempre tão juntos. Não foi fácil superar, não foi fácil cuidar deles. Eu não tinha ninguém. Só esse pedaço. Só nós.

Eu quero comer uma manga, eu quero. Me dá uma manga? Pega para mim mais uma? Estica o braço! Me dá mais uma manga! Eu quero manga! To com fome e quero manga! Não joga fora, não joga. Eu ajunto do chão e como, não joga fora. Não joga, fora. Fora... Não joga. O mãe! Cadê a mãe? Ela não vem mais aqui. Eu quero mais uma manga, amanhã não vai ter mais manga. Aqueles passarinhos comem mangas. Vou voar para o céu azul para comer mangas. Não adianta você me segurar.

Eu te amo.

Chega de comer! Vai passar mal, e quem vai cuidar. Eu vou desistir, eu vou embora. Como?           

 

   
Conto publicado no livro "Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros"- Edição Especial - Julho de 2015