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Maria José Zanini Tauil
Rio de Janeiro / RJ

 

Vingança é prato que se come frio

 
 - Não desligues o celular, Renato! Por favor! Preciso falar depressa, meus créditos podem acabar! Quero que saibas da angústia que me devora, que corre sanguinária pelas minhas veias. Preciso falar-te que fui
apresentada à solidão e os anseios turbilhonam no meu ser, enquanto a tristeza, há muito tempo, apagou o meu sorriso. Eras a minha serenidade, a minha calma. Preciso falar-te do orgulho,...esse mesmo que me impedia de te procurar, de dizer que estavas certo. Foi covardia, foi medo. A raiva de mim mesma agita meu coração... eu não sei lidar bem com ela. Minha pouca inteligência derreteu como sorvete exposto ao sol. A minha alegria?  Ela só existiu quando estavas em minha companhia e as emoções ainda estão bem vivas no meu espírito. Sim, preciso falar-te do sentimento que pressiona meu peito, meu cérebro, minha razão e me faz sofrer tanto. Em contagem regressiva, lamento os dias em que deixei de beijar-te, abraçar-te,  tomar contigo aquele vinhozinho ao pé   da lareira, nas noites de inverno, ou o chazinho de camomila, que preparavas nos momentos de tensão, com tanto carinho. Lembra quando éramos jovens? Não temíamos nada nem ninguém, éramos meio narcisos, nos achávamos lindos e feitos um para o outro. Tínhamos os pés na lua e nos irritávamos com a incompreensão alheia. Queríamos mudar o mundo, no entanto, foi ele que nos mudou. Amávamos tanto a Deus e, ao mesmo tempo, perguntávamos se ele existia. Que contraditórios são os jovens! Eu te traí, é verdade! Achei que era um amor maior e melhor...pura ilusão! Cega, nem lembreique enfermidade não
tem idade para chegar. Ela chegou e me afogou nesse mar de dores e lamentos. Fiquei só e percebi que o teu amor foi o que de mais precioso aconteceu na minha vida ...
Pronto! Falei tudo que estava atravessado por tantos anos na garganta.
Só preciso do teu perdão para ter paz. Mas  fale alguma coisa! Estou falando sozinha!

- Acabou? Pensei que tinha engolido uma vitrola!  Na minha vida,  não passaste  de um eletrodoméstico, uma televisão “viciante”, mas soltavas uma irradiação que me foi muito prejudicial e sinto esses efeitos até hoje. Vais
morrer? Isso me causa estranheza, pois pensei que já estivesse morta há muito tempo. Calculista como és, te multiplicaste por zero na minha vida. Não és nada. Te perdoei  há muitos anos, num dia  de finados. Agora vou desligar. Estou ocupadíssimo  com uma  gata impaciente, gostosa,muito saudável, grudada  no meu  pescoço.
 Boa morte!

   
Conto publicado no livro "Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros"- Edição Especial - Julho de 2015