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Ana Carolina Viana Faria
Belo Horizonte / MG

Esqueleto e Estrela - o primeiro Natal inesquecível

 
 “Triiimmmmmm...”
Mãe, atende a porta! – Gritou Ester lá do quarto.
- Pois não? – inquiriu Dona Raquel ao rapazinho que estava ali em seu alpendre
Tudo bem, senhora Raquel? A Ester está?
Está sim, Daniel, mas creio que está ocupada. Volte outro dia, está bem?!
            Raquel fechou a porta um pouco contrariada.
            - O que essa menina tanto faz com esse garoto? Menina tem de andar com menina! – disse para si mesma.
            Nesse instante, Ester desceu as escadas como uma bala, arrumando os cabelos. Deu um beijo na mãe, pegou a bicicleta debaixo da escada e abriu a porta.
            - Aonde você vai menina?
Passear mamãe, volto cedo – respondeu Ester fechando a porta.
            Daniel olhou a amiga de alto abaixo e sorriu, feliz em vê-la.
            - Feliz natal, Estrela!
            Oi, Esqueleto! – Ela também abriu um largo sorriso, abraçando-o. – Feliz natal!
Tá animada a pedalar?
Sim, por quê?
Podíamos ir ao trem, o que acha?
Legal! Boa ideia. – concordou a garota.
Tem uma coisa lá que quero te mostrar.
            Os dois eram amigos há cerca de três anos. Eram da mesma escola e em suas conversas descobriram que tinham muito em comum. Moravam em uma cidade pequena, do interior, onde todo mundo conhecia todo mundo. Daniel tinha outros amigos. Ester gostava de andar mais sozinha. No entanto, a amizade dos dois era algo diferente, não sabiam explicar, e nem se preocupavam em explicar nada. Ambos com treze anos, queriam mais era curtir a vida e descobrir o imenso mundo que existia lá fora, além das redondezas da velha cidadezinha de Alódia. Eram curiosos e gostavam de explorar territórios desconhecidos pela maioria dos moradores. Sentiam-se como dois desbravadores, faziam planos. Queriam sair dali o mais rápido possível. Para eles, aquela cidade jamais corresponderia às expectativas de ambos. Queriam ser livres, ver ao vivo as coisas que viam na televisão e nas revistas. Pela magreza, Ester o apelidou de Esqueleto. Pelo significado do nome, Daniel a chamava de Estrela.
- É aqui! – mostrou Daniel.
- Será que tem alguém aí? – ela teve receio.
- Não, acho que não. Tinha um vigia um tempo atrás, mas não aparece mais aqui.
            Era um trem abandonado, com alguns vagões descarrilados. Bem velho e enferrujado, vazio e esquecido.             
- Será que viajou muita gente aí, Esqueleto?
            - Não, é um trem de carga.
            - Eu queria andar de trem algum dia.
            - Nós vamos, você vai ver! Posso te levar para ver um daqueles shows de dança.
            - O ingresso deve ser muito caro! – ela suspirou.
            - E daí? Até lá terei meu próprio negócio. Dinheiro é o que não vai faltar.
            - Será que esses seus desenhos vão dar dinheiro, Esqueleto?
            - É claro, olha quantos gibis existem! Não vê os japoneses? Têm muitos desenhos famosos! Quanto você acha que um cara ganha para fazer os desenhos do Homem-Lança?
            - É, deve ser muito. Vende no mundo todo...
            Daniel subiu em cima de um vagão e se sentou.
Vem cá, sobe aqui – disse Daniel estendendo a mão para Ester.
Ela subiu também. Dava pra ver a pracinha da cidade com as luzes de natal, a grande árvore no centro, toda decorada, os sinos da igreja. Ficaram olhando a vista. Fazia calor.
            - Está com sede?- perguntou Daniel.
            - Sim.
            Ele tirou um cantil da mochila, abriu e deu a ela. Ficaram ali um tempo, em silêncio, cada um com seus pensamentos.
            - Você acha que sairemos daqui, Esqueleto?
            - Claro! Eu não vou morrer nesta cidade sem ver o mar.     
- Parece tão difícil. A mamãe já está falando em me matricular na outra escola.
            - Temos de esperar, Estrela, fácil não vai ser.
            - E se a gente se separar?
            - Não vamos nos separar! – afirmou Daniel com firmeza.
            - Você quer se casar e ter filhos?
            - Sim.
            - Então? Acabaríamos cada um indo viver sua vida, não acha?
            - Não. Porque quero me casar é com você – revelou Daniel, sério.
            - Até parece – sorriu Ester, tímida.
            - Tô falando sério. Essas outras meninas são muito chatas e só têm ideias idiotas. Você é a única que me entende.         
- Ah! Mas as meninas da cidade grande são muito mais inteligentes que eu, e muito mais bonitas também.       
            - Não tem menina mais bonita que você, Estrela.
            A garota ficou ainda mais tímida e baixou o rosto.
- Eu trouxe um presente de natal para você. – Daniel tirou um embrulho da mochila.
- Um presente? – Ela abriu um sorriso iluminado. Amava ganhar presentes.
Quando abriu o envelope, dentro havia um belíssimo desenho colorido de uma garota, parecida com Ester, sentada numa estrela cadente, viajando pelo espaço.
- Que lindo! – exclamou a menina.
- Essa é você. Uma estrela viajando sobre outra estrela.
- Ficou lindo, obrigada.
- Você vai iluminar a vida de muita gente ainda, Ester. Assim como iluminou a minha.
Ela sorriu, desajeitada.
- Tenho um presente de natal para você também. – ela disse.
- Você tem?
- Tenho.
- Onde está?
- Fecha os olhos. – a menina pediu.
Daniel fechou os olhos, curioso. Sentiu de repente os lábios úmidos de Ester tocarem os seus de forma rápida, num estalo. Ele abriu os olhos, surpreendido.
            Daniel não conseguiu dizer mais nada. Ficou em silêncio, com cara de bobo, olhando para o horizonte, como se estivesse flutuando nas nuvens. Aquele seria o primeiro natal inesquecível de sua vida e Ester seu primeiro e talvez grande amor. Ester também desviou os olhos, enrubescida, o silêncio daquele momento dizia mais que mil palavras.
            E os dois ficaram assim, a tardinha toda, conversando planos, alimentando esperanças, vislumbrando sonhos...

 

   
Conto publicado no livro "Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros"- Edição Especial - Julho de 2015