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Gabriel Bocorny Guidotti
Porto Alegre / RS

 

Papo no bar

 
Na mesa de um bar – repleta de latas de cerveja vazias – dois homens conversavam à vontade, com a voz alterada. Em vez de falas amenas, como manda a etiqueta, gritos de efervescência alcoólica. Naturalmente, os demais clientes acabavam ouvindo o teor do papo entre os beberrões. Saiba disso: a bebida é uma namorada lindíssima, mas o relacionamento não dura. Um dia se nota que não foi você que consumiu ela. Ao contrário, foi ela que consumiu você.

“Sou um cara sortudo. No divórcio fiquei com o carro e a casa”, disse um dos homens. A separação possui um potencial imenso para ser trágica, quando não divertida. Talvez o casal tivesse muitos bens. Talvez. A maior riqueza deles, todavia, esfacelou-se. O ex-marido deveria, portanto, estar sofrendo minimamente. Que nada! Exibia um sorriso de orelha a orelha. A esposa, presumo, era uma megera indomada.

Dois homens no bar. Duas figuras peculiares. Amigos de todos! Aqueles que garantem risadas quando em uma conversa em grupo. Cabelos grisalhos, barriga ovalar e um fedor de suor que penetrava nas entranhas das pessoas à volta. Não notá-los era alienar-se. Não ouvi-los era impossível. As exaltações do relacionamento com suas mulheres contagiavam. Entretenimento a mais para uma noite despretensiosa.

O segundo beberrão falava pelos cotovelos, envidando esforços para manter-se equilibrado na cadeira. Naquele caso extremo, ir ao banheiro era uma atividade rotineira a cada dez voltinhas do ponteiro grande do relógio. Quanto mais álcool, maior o número de visitas ao trono. O organismo preconizava. O público notava. No quinto retorno, uma pérola: “Por um tempo, continuamos dormindo juntos. Ou seja, eu estava me separando, mas meu p... permanecia fechado para negócios”.

E você aí, decepcionado no amor. Enquanto isso, dois homens avulsos, em um bar qualquer. Ambos felizes pela liberdade recém-conquistada. Com um bêbado nós aprendemos grandes lições. Entretanto, seriam os sentimentos deles genuínos ou apenas motivados pelo teor alcoólico? Acordariam eles depressivos no dia seguinte, esperando o reatamento? Nunca saberemos.

E então, o gran finale. O clímax de uma conversa passageira, traduzida em perda de tempo. Sucintamente, o primeiro beberrão encerrou sua história: “Minha sorte foi não ter tido filho”. Pois é. Sorte da criança também. Ninguém merece um pai como aquele. O pequeno, pelo exemplo de casa, tornar-se-ia um indivíduo desprezível. Bens se dividem... a falta de amor é irreparável. Lembre-se: nosso caráter é nosso destino.

De saída, eles se levantaram e foram embora. Felizmente, notaram que a conta devia ser paga. Mas deixaram uma marca naquelas cadeiras: o velho chavão do papo no bar. Uma conversa que não precisa ter nexo, não precisa ter conteúdo. Ela precisa apenas... acontecer. Trata-se de uma interação sem conceituações ou linhas de raciocínio. Qualquer indivíduo pode ser protagonista. Basta a coragem de um ‘cara de pau’.

 

   
Conto publicado no livro "Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros"- Edição Especial - Julho de 2015