Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Lourival da Silva Lopes
União / PI

 

Meu medo me assusta

 
- Tenho medo de gente viva. Os mortos não me metem medo.
Ouvi muitas vezes meu pai falar isso. Mas não tinha jeito. Sempre que eu saía de casa à noite, lá na Barriga d’Areia, para a casa de meu padrinho, as palhas velhas da palmeira se transformavam em mortalhas de alma. Um frio na espinha me fazia correr sem olhar para trás.
Um dia, a lua estava cheia, havia muita claridade. Então, resolvi ir sozinho à casa de meu padrinho. Avisei a minha mãe. Iria ouvir história que contavam até certas horas da noite que eu não fazia ideia. Para mim, o tempo pouco importava. Fui. Para diminuir o medo, assoviava bem alto uma música sem sentido. Era uma forma de distração. Da minha casa até a de meu padrinho, era um tirão. Se eu fosse correndo, chegaria muito cansado, ofegante. Mas decidi que iria caminhado. Caminhava tranquilo, assoviando para distrair o medo. De repente, ouvi um barulha nas palhas da palmeira. Olhei, assustado, não vi nada. Continuei. Novo barulho, me assustei novamente e interrompi o assovio. Olhei para cima, me deu uma vontade danada de correr. Um vento frio assanhava as palhas e aumentava o meu medo. Não vi nada. Preocupado, olhei novamente. Não pensei mais, sai correndo e gritando:
- É uma alma! Eu vi! Tá vestida de branco! Eu vi.
Pensei que alguém me ouvia. Mas ainda estava longe. Não olhava para trás. Comecei a senti umas pisadas atrás de mim, que iam aumentando à proporção que eu aumentava a velocidade. Não dava tempo pensar em nada. Só corria. Socorro! Não sabia mais o que fazer. Já estava nas últimas, quando senti uma mão me segurar. Dei um grito tão alto que meu padrinho e as outras pessoas escutaram longe.
- Deve ser assombração!
- Calma, rapaz, sou eu, teu pai.
Não acreditei. Quis correr, mas não tinha mais força. Ouvi apenas repetir:
- Teu pai. Alma não existe. É invencionice do povo. O barulho que tu ouviu deve ser alguma mucura, procurando alimento.
Fui me acalmando, recuperando o fôlego.
- Essas histórias que tu fica ouvindo na casa de teu padrinho são histórias de trancoso, são inventadas. Não precisa ficar impressionado.
- Mas a mamãe fala que alma existe.
- Tua mãe é igual teu padrinho. Ouviram as mesmas histórias. Querem te impressionar também.
- Mas eu gosto de ouvir essas histórias. Só que elas ficam martelando a minha cabeça. Outro dia ele contou uma história de uma escrava que foi muito maltratada pelo dono até a morte. E ele contou que essa escrava foi encontrada por um pescador, boiando no rio Parnaíba. Já estava podre, toda comida pelos peixes. O pescador recolheu o resto do corpo e enterrou perto da lagoa que fica aqui por trás de casa. E ele disse que, de vez em quando, ela aparece toda vestida de branco, cantando e sorrindo. Eu acho bonitas essas histórias, mas elas me metem medo.
Meu pai, que entendia muito bem essas histórias e sabia que eram feitas por poetas do sertão em forma de versos, me disse:
- Rapaz, aprende uma coisa: o medo quem faz é a gente. Quem morre, morre. Acabou. Quem mete medo mesmo são as pessoas vivas, que vivem por aí, espreitando as pessoas, matando, roubando, fazendo todo o tipo de mal. Dessas pessoas, a gente tem que manter uma boa distância.

 

   
Conto publicado no livro "Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros"- Edição Especial - Julho de 2015