Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Alice Clara Rodrigues Mendes
Belo Horizonte / MG

 

Despertar

 
Todos os dias ela acordava ao “som” que a lembrava que mais uma jornada de trabalho estava por vir. Antes, um estridente despertador. Agora um sinal de celular.

Vestia-se, apressada, quase sem se olhar no espelho, e saía, sentindo-se poderosa de poder ir para o trabalho. O caminho era sempre igual, melancolicamente igual. Não via, nem ouvia nada!...A não ser o que via todos os dias.  Carros, buzinas, sinal fechado, gente apressada.

Chegando ao trabalho sentia-se orgulhosa de poder afirmar que os problemas pessoais tinham ficado pra trás. Agora só os problemas profissionais teriam sua atenção, pensava.  Será que sua vida se resumia em “problemas”?

Ao chegar balbuciava um “bom dia” a quem lhe olhasse e/ou dissesse. Quem estivesse distraído ela passava direto. E assim ia levando... Altiva e responsável, os seus dias.

Aos sábados ela acordava com o cantar de um passarinho. Estranho esses pássaros! Só cantam em finais de semana. Por que será? E, novamente, vinha a rotina dos finais de semana... tudo sempre igual.  O objetivo? Preparar-se para a segunda feira. Guardar energia para a nova semana que, certamente, virá.

Um dia... O estranho é que não era sábado, nem domingo nem feriado, ela acordou com o trinado melodioso de um pássaro. Abriu a janela, algo que raramente fazia,  queria ver que pássaro era esse. Tinha de ser um pássaro diferente, pois a tinha acordado em pleno dia útil. Nesses dias ela não podia se dar o prazer de perceber coisas assim, pois o foco era outro. E foi então que viu uma ave pequenina, aparentemente frágil, parecia que a olhava dizendo: Bom dia! Hoje, agradeça a Deus por mais esse dia. Um dia para viver!


Aprontou-se, como de costume. Como de costume? Não! Não foi um dia qualquer. Cantarolou, timidamente, uma canção ao tomar seu banho.  Olhou verdadeiramente para o espelho. Sorriu. Colocou um acessório de final de semana. Perfumou-se com uma essência de flor.

Ao sair de casa sentiu uma emoção diferente. No caminho viu uma mãe levando seu filho para a escola. Uma turma de estudantes se esbarrando e rindo. Um casal de velhinhos de mãos dadas passeando. Um homem exibindo, orgulhoso, a camisa de um time de futebol. Um motorista parou, sorriu, dando-lhe a preferência.

Estranho! Onde estariam essas pessoas? Porque todas apareceram apenas hoje?

Chegando ao prédio, imponente, da única motivação de seus dias, viu à entrada uma florzinha, pequenina, linda, amarela, perfumada. É! Hoje o dia realmente não está normal. Um pássaro? Uma flor? Gentilezas...

Ao entrar em sua sala, a secretaria lhe deu bom dia e ia começar a lhe passar os recados quando ela interrompeu.  Luiza? Era esse o nome de sua secretária. “Luiza”, é o nome de uma linda canção de Tom Jobim, pensou! Mas, voltando... Luiza! Reparei ao entrar que uma flor está brotando ao meio da passarela de concreto à entrada do prédio, como isso é possível?

Luiza, um pouco surpresa pelo fato da "chefe" ter olhado para o chão, ela sempre tem o olhar tão para o alto, lhe disse: não é só ali que tem flores brotando. O pessoal da manutenção extirpa sempre, mas sempre em algum lugar elas insistem em mostrar-se novamente. Vou pedir para eles prestarem mais atenção. Não! Respondeu a chefe. Não estou incomodada com elas, pelo contrário.  Foi só uma pergunta...

Aí ela pensou: não seria isso um recado?

Ao ligar o computador ao invés de ir diretamente para o e-mail, para a agenda, pesquisou sobre o pássaro e a flor que tinha visto. Olhou pela janela e viu o céu lindo como via só aos domingos. Viu que tinha alguém limpando as mesas, de cabeça baixa, e, feliz, lhe deu um bom dia e pode ver um lindo olhar de esperança. Sentiu que tinha um dia que poderia lhe reservar grandes e boas surpresas se ela não insistisse em fazer dele apenas um dia de rotina.

Ao final do dia antes de voltar para casa resolver fazer algo que raramente fazia. Tomar um sorvete na praça.

Nos dias seguintes não precisou mais do despertador, pois, antes do passarinho cantar ela já desperta, com um sorriso maroto nos lábios, aguardava ansiosa que o pássaro cantasse para que abrisse a janela para mais um dia de VIDA.

 

   
Conto publicado no livro "Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros"- Edição Especial - Julho de 2015