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Rodrigo Martins
Gurupi / TO

 

1977

 
Tentei disfarçar, mas ela percebeu. Fitou-me e se aproximou. Fingi que estava a escrever num guardanapo. E ela ficou ali, parada atrás de mim. Não sei se estava me curiando, tive receio de me virar, mas sentia aquele olhar na minha nuca. Permaneci com o corpo estático e com os pensamentos em ebulição, imaginando atitudes fortes que nunca teria coragem de tomar. Não sabia como me portar, então continuei a rabiscar o guardanapo. Ela passou bem perto de mim e sentou duas cadeiras depois. Entre nós, um velho barbudo e careca fumando um porronca e bebendo rum. Era visível sua saúde debilitada, mas mesmo assim não largava a cachaça e o tabaco. Ela pediu uma dose de conhaque. Bebia devagar, degustando como se fosse vinho tinto. Não dizia uma palavra. Somente me olhava de rabo-de-olho através da fumaça do porranca. Para mim era como se fosse um escudo, me protegendo daquela mulher que me batia com os olhos. O velho começou a tossir seco, mas continuava fumando. Na cabeça dele era como se fosse um remédio que aliviava a dor da vida. Ele deu mais um trago e pediu a conta. Eu já estava preocupado, pois meu escudo iria se retirar dali. E agora, com o quê me proteger? Talvez o mais fácil fosse ir embora, mas seria uma demonstração emblemática de fraqueza. Ficar parado, de cabeça baixa e fingindo estar escrevendo no guardanapo foi a atitude mais corajosa que tive. O velho pagou a conta e foi embora. Ela se levantou e sentou no lugar dele. Fiquei trêmulo. O verso do guardanapo já estava acabando e eu não sabia mais o que fazer. Minha coragem era pouca para enfrentar a situação. Já meu medo, demasiado demais para fugir. Ela pediu mais um conhaque enquanto me fitava. Seu silêncio era gritante, enquanto o meu embaraçado. Só ficava pensando quanto tempo ainda aquilo iria durar. Ela pegou um guardanapo, pediu uma caneta para a garçonete e começou a escrever. Foi rápido. Logo terminou. Dobrou duas vezes, colocou dentro do meu copo e partiu. Não disse nada ao sair e nem me encarou mais. Simplesmente foi. Peguei o guardanapo do copo e sacudi com cuidado para não rasgar. Desdobrei vagarosamente, tentando adivinhar o que havia ali escrito. Terminei de abrir, respirei fundo, e li. Os garranchos diziam: “Madrugada de 14 de abril de 1977. Fim”. Fiquei sem saber por que ela escreveu a data de hoje. Entendi quando senti o cano gelado na minha bochecha.

   
Conto publicado no livro "Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros"- Edição Especial - Julho de 2015