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Marina Moreno Leite Gentile
São Paulo / SP

 

Noel Moreno e a aventura na Itália

 
Três brasileiros estavam passeando pela Itália,  quando aceitaram um gentil convite para visitar a região da Puglia.    O apartamento finamente mobiliado, com roupas de cama, mesa, banho, utensílios, tudo ao dispor.  Tinha inclusive latões de azeite extra.     O proprietário era um primo rico,   que mantinha o imóvel sem residir nele.   Filho único, naquele apartamento passou sua infância.  Após a despedida dos pais  para a eternidade,  o primo mantém o imóvel  do jeitinho que sempre foi,  por razões emotivas.  Nada foi retirado do lugar.  O primo afirma que,  enquanto viver,  tudo permanecerá como sempre foi.   Apesar da condição privilegiada do primo, é ali que ele  passa a noite de natal com os filhos e netos.  É sagrado.
Chegaram na cidade, no início da noite.    Os brasileiros se instalaram muito bem.  Como viajaram o dia inteiro de trem,  estavam exaustos, adormeceram rápido.    Logo pela manhã, em torno das 4 horas foram acordados com um forte som de tratores.   Eram os agricultores seguindo rumo às plantações,  a maioria deles acompanhados de um cão.  O tratorista dirigindo e olhando para frente, o cão olhando para os lados, como se vigiasse o caminho.    O apartamento ficava a menos de dois  quilômetros das plantações  de oliveiras, onde os trabalhadores passam o dia. No início da tarde  outra movimentação de trabalhadores nos tratores,  no sentido contrário, retornando para seus lares.  
Os brasileiros aguardaram o horário comercial,  foram para as compras no mercadinho local adquirir itens básicos.   A oportunidade de estar ali  indicava que o passeio seria maravilhoso.  O dia foi ótimo, tudo era novidade.  Foram passear na praça principal,  grande em proporção a cidade.   Ali é a sede da prefeitura e sede das  inúmeras  associações.   Nunca os brasileiros viram tantas associações em uma cidade tão pequena.  Os aposentados passam os dois períodos do dia ali, sentados, observando as pessoas se movimentando. Muitos  bancos fixos  dispostos nas ruas e na praça.  Ali pertinho foi observado um açougue especializado em carne de cavalo. Um lugar pitoresco,  curioso em diversos aspectos. 
Mas por que estou relatando detalhes desta cidade?   É que ali aconteceu algo inusitado, nunca imaginado.    Tudo seguia normalmente até que os visitantes descobriram um problema. Como o proprietário do apartamento não  residia  ali,   a autorização  para o despejo de lixo não fora regularizada.   Explicarei melhor.   É que na cidade toda residência, individualmente,   tem um cadastro de lixo,  um vasilhame especial, com código pessoal extremamente  controlado,  vigiado por todos.    Ninguém pode despejar lixo no recipiente do outro.  Ninguém pode descarregar o lixo sem que tenha um cadastro.  Ou seja,  sem o tal recipiente especial a equipe de limpeza urbana  não o retira.  E mais,  no caso de depositar lixo na rua,  de qualquer forma,  o proprietário do apartamento recebe uma notificação,   com multa.  Para eles,  super constrangedor.
Os visitantes não queriam que o proprietário,  tão cordial,  fosse prejudicado ou recebesse reclamação.    A pergunta era:  como poderiam desfazer do lixo?  Então os três decidiram circular  pelas ruas,  descobrir um local onde não tivesse ninguém olhando,  para  desfazer dos sacos,  disfarcadamente.  Acontece que,  após caminhadas,  nenhum recipiente tinha espaço.   E quanto tinha espaço,  alguém estava olhando na janela ou sentado próximo.
Como fazer?  Que dilema!   O lixo já estava acumulando,  havia a necessidade mais que urgente de desfazer daquilo.   Então os visitantes tiveram uma idéia.   Passariam defronte ao mercadinho para analisar a  oportunidade de descarregar o lixo lá.    Os recipientes ficavam trancados, bem em frente.   Como fazer?  Foram outras vezes no mercadinho, compraram umas coisas,  entretanto  com a atenção especial  nos recipientes do  lixo.  Prestaram bastante atenção e  se certificaram do  dia e horário que os recipientes ficavam abertos, sem a tranca.  Tudo planejado,  sacos organizados.   No dia correto foram bem cedo com uns sacos nas mãos,  disfarçados,  observando  se ninguém os observara  e de repente colocaram o lixo naquele lugar.  Em italiano,  um funcionário  do mercadinho que estava observando-os disse bem alto:
-   Não.  Aqui não pode jogar lixo.  Blá, blá, blá...
Os brasileiros ficaram assustados, voltaram com o lixo para o apartamento.   Como fariam agora?   Estavam sem condições de contatar o dono do apartamento, pois ele estava viajando. Riram da situação bizarra,  ao mesmo tempo  retornaram  ao plano de  como  desfazer do lixo.  
Tiveram outra idéia.   Tentariam descarregar o lixo pela noite.  Era muito suspeito despejar os sacos em qualquer lugar, mas tinham que tentar.  Por incrível que pareça,  mesmo de noite,  em toda a rua tinha alguém  por perto.   Parece que toda a população da cidade  observara  os três visitantes.   Quando os brasileiros passavam,   as pessoas ficavam silenciosas,  e quando distanciavam uns metros,  os italianos começavam a falar algo.  Não se entendia,  mas sabia-se que o foco  era eles.
 Apesar do risco,  os lixos foram despachados pelas noites, naquela cidade  pequena, extremamente limpa e controlada.    E assim estes turistas passaram as duas semanas,  sufocados  para desfazer o lixo.
 Apesar disto,  foram momentos agradáveis,  com o gostinho de desejar voltar.    Aliás, o  último dia foi o mais polêmico.  Além da mochila de cada um,  tiveram que carregar  os sacos de lixo pelo caminho.   Despedindo-se da cidade de madrugada, enquanto a maioria dormia, encontraram um local  e,  num passe de mágica,   largaram os sacos, apertaram o passo até a estação férrea.    Ainda bem que o trem não demorou.

 

   
Conto publicado no livro "Seleta de Contos de Grandes Autores Brasileiros"- Edição Especial - Julho de 2015