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Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

Xeque-mate!

Um texto, um comentário, talvez uma história ou um amontoado de letras que se cruzam para afirmar algum sentido de um determinado objeto, sujeito ou lugar. Uma narrativa que cheire a fatos que o leitor possa endossá-lo em sua vida, ou quem sabe!, possa o leitor, a partir deste emaranhado de letras, sons e discursos, rever seu mundo de letras, formas e cores. Vou neste canto meu, enlaçado por tonturas e torturas, lançar ao distinto leitor, palavras, gestos de sons ecléticos e herméticos. Não quero vender palavras como um bom vendedor de signos, mas quero emprestar-lhe a minha voz para que na sua voz possamos juntos formar um mundo melhor, mais plural, coletivo e social, menos violento, singular e desigual.
Devo escrever ao conciso leitor um texto que eu nem sei o que será, mas desde já estou, também como leitor, ansioso para saber. Pois bem, vou entrar mais rápido na imaginação de meu real singelo mundo de signos deslizantes. Meu nome é Palavra. Gosto de cores, amores e rancores. Estou sempre presente em todos os lugares. Sou às vezes compreendida, às vezes não-compreendida, mas sempre estou presente para conduzir a vida, os amores, os rancores, os tremores dos indivíduos que se endividam em suas individualidades e subjetividades. Formo discursos de todos os níveis. Já fui mais hermética em minhas inclusões. Hoje o mundo tem me mudado muito, pois sou dependente de homens e mulheres, crianças e idosos que fazem de mim o que querem. Gosto muito quando sou usada para unir povos, instruí-los, educá-los. Mas fico triste quando eles me usam para a violência entre as nações, entre os sujeitos que se assujeitam a sistemas imperativos de poder e argumentação, dividindo os seres em suas mais variadas ideologias, em seus mais variados discursos de poder. Fico feliz quando eles sabem fazer bom uso de mim. Agora mesmo, no Brasil, vários seres vivos ditos humanos têm me usado com constante formação e deformação. Usam-me e abusam-me de acordo com os seus interesses. Uma boa quantidade de seres humanos usam-me de forma assustadoramente mentirosa. Criam falsos discursos e forçam vários ouvintes (pobres ouvintes sem informação!) através de vários meios de comunicação. E assim estragam uma sociedade toda com os seus imperiosos ”discursos de poder”, contaminando toda uma nação com suas falácias e inventivas e ideológicas formações. São bem instruídos por palavras fortes e grandes, carregadas de força argumentativa bastante eloquente e cativante. Estou me referindo às eleições federais e estaduais desta sofrida nação.
É tiro pra todos os lados. Gentes de todas as cores formam seus discursos a partir de mim. Eu fico num beco sem saída. Agrado a uns e desagrado a outros. Uma disputa acirrada por um poder que também se faz através de minha presença. Poder, vida, subjetividades, sujeitos, ideias, discursos, homens, mulheres, etc, etc, são signos que eu formei. Muitas palavras são carregadas por uma forte influência de determinado período histórico, outras se escorregam rápido e desaparecem com o tempo; ainda há outras que invadem o tempo em suas várias dimensões, e resistem a várias épocas históricas, são palavras portadoras de potência multicultural e multitemporal.
Um dia Palavra inventou uma nova forma de não se aparecer aparecendo. E na representação ela apenas envia de si sombras de si, vestígios de si, margens de si, partes de si, num golpe avassaladoramente violento. Pois os homens quando me usam no passado não conseguem fazer com que elas reapareçam do mesmo jeito que elas foram. Aí Palavra se torna poderosa e não se permite reaparecer da mesma forma. Ela sempre pede ajuda aos seus três amigos, o Sr Mesmo, a Sra. Repetição e Dona Representação. São partes dela que, em certo momento, em sua dimensão, ela, a Palavra, consegue evitar um desgaste ou um possível desaparecimento de seus finos tecidos que são responsáveis pela continuidade de sua eterna reconstrução.
Enfim, Palavra é a mais brilhante estrela que o Verbo-Deus lançou sobre o Espaço Terra, com a missão de germinar, produzir, reproduzir, construir, desconstruir e reconstruir, formando homens e mulheres portadores de sonhos, discursos, pensamentos; homens e mulheres que se tornariam também palavras bem escritas para ancorar a História com páginas transparentes e hibridizantes.
Palavra passou a caminhar em várias direções. Interpelada por uma bêbada relação de sons e formas que adentram o seu mundo interior, ela cria novos indivíduos e sujeitos que não se entendem em seus discursos, em suas sensações e contradições, sentenciados por uma trilha semântica, reprodutora de sentidos e significados. Ela se alimenta de contextos, pois é através dele que ela se realiza, estendendo sua potência e distribuindo seu poder de reprodutora social. Palavra é a potência do mundo, faz dos homens seres humanos e seres desumanos. Flecha com seu arco paradigmático e sintagmático todo discurso verbal e se realiza em sua múltipla vontade de criar, criar e recriar caminhos que se alinham no tempo árduo dos múltiplos espaços humanos.
Hoje os pequeninos mortais de um Planeta cheio de desigualdades me amarram em suas mentes, aprisionando-me de acordo com os seus traumas, ou liberando-me quando bem querem, de acordo com os seus próprios interesses. Eles não compreendem que eu fui criada para servi-los, orientá-los a viver em paz. E sempre, no final das contas, eu tenho a carta certa para aprisioná-los ou libertá-los. Xeque-mate!

(Este texto foi escrito no dia 11/09/2014, em homenagem ao meu amigo José Eduardo Santana Filho, professor do Colégio Inácio Tosta Filho, grande exemplo de professor compromissado com a educação)

 

   
Publicado no livro "Xeque-mate" - Contos selecionados - Edição Especial - Novembro de 2014