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Aldo Meneguetti
Barueri / SP

 

E então, dormiu bem?

Miro, filho de Honorato, foi criado por Seu Bida, um tio-avô daqueles bem ranzinzas que, na falta dos pais, o educou com uma austeridade inaceitável sob a ótica da moderna pedagogia. Educar, para o velho, era impor seus princípios na marra, muitas vezes com o uso abusivo da vara de marmelo. E Miro, coitado, além de apanhar ainda era obrigado a ouvir os constantes elogios a Ronildo, filho de Dona Dezinha:
- Aquilo é que é menino bom, respeitador, obediente, não um presepeiro abestado como tu, seu peste!
Isso, ao longo dos anos, despertou em Miro uma certa bronca de Ronildo que, coitado, não tinha culpa de ser bem-visto pelos olhos do velho. Mas, apesar daquela mágoa, os dois foram crescendo como companheiros de traquinagens. Contudo, Miro esperava pacientemente o dia de se vingar do pobre companheiro, que por ser padrão de “boa gente” para Seu Bida, foi responsável por muitas surras que levou do velho.
Mas o dia, finalmente, chegou.
Miro tinha uns vinte anos, a mesma idade de Ronildo. E ambos já tinham o hábito de frequentar as festinhas na casa de Irapuan, onde foram iniciados na birita e na sacanagem com as quengas que sempre apareciam no fim de noite para alegria da rapaziada.
Naquela noite, Miro demorou um pouco para chegar. Os rapazes já tinham tomado algumas talagadas da Colonial, e Ronildo, já meio mamado, se chegou a ele:
- Demorou, cabra!...
- Tô com um probleminha para resolver, e vou precisar da tua ajuda esta noite.
- Pois diga! Amigo é pra essas coisas.
- Seguinte, mais tarde vou ter que dar uma saidinha pra resolver um problema e eu não queria deixar Seu Bida sozinho, sabe como é... Já está velhinho... Queria que você dormisse lá em casa essa noite pra fazer companhia a ele... Afinal, ele gosta muito de você, né mesmo?
- Tudo bem... Na hora que você for é só me avisar.
- Outra coisa: só temos uma cama de casal lá em casa. Durmo eu e o Vô Bida. E já que eu vou sair, você pode dormir do lado do velho, ele não vai te incomodar.
...
Dia amanhecendo, Miro chega em casa devagarinho, abre a porta do quarto e vê Ronildo ainda roncando ao lado do velho. Volta pra sala, ajeita sobre a mesa o caixão que trouxera num carrinho de mão, acende as velas, encosta as cadeiras na parede e chama pelo amigo que, ao sair do quarto, se depara com aquele quadro fúnebre:
- Mas que qui é isso, Miro?!
- Num tá vendo? É o caixão do Vô Bida, ele morreu ontem de tardinha. Mas eu já marquei o enterro para hoje as 10 horas. E por falar nisso... ia me esquecendo: você dormiu bem?

 


   
Publicado no livro "Xeque-mate" - Contos selecionados - Edição Especial - Novembro de 2014