Henrique
Bonamigo
Três de Maio / RS
Um espanto volátil
Olhei para o rio Ganges e instintivamente levantei
a mão e fiz aquele que seria o meu último aceno
de despedida do rio e da cidade sagrada. O sol estava se pondo
sobre o horizonte avermelhado, quando comecei a subir a escadaria
que tanto havia impactado meu espírito nas últimas
horas. O Esplendor das cerimônias religiosas e os saris
multicoloridos, povoaram a minha mente de imagens inolvidáveis!
A escadaria de Manikarnika,o ritual de cremação,
haviam instigado em mim, palpitantes dúvidas sobre a vida
e a morte. A essência do existir e a percepção
de finitude, adquirem na cidade sagrada, dimensões que
vão muito além da compreensão. O misticismo
e a realidade criam cenários que os olhos podem contemplar,
mas que a razão, muito pouco pode explicar.
Ao chegar a cidade sagrada, comprei roupas típicas de um
indiano, pois acreditava por alguma razão que se me vestisse
como um nativo do lugar, minhas vivências seriam intensificadas,
e assim realmente aconteceu. Andei pelas ruelas de Varanasi como
alguém que chegara de outro planeta e incógnito,
passei dias de fortes emoções e deslumbramento,
indo da cidade para o rio e do rio para as “ghats”,
ansioso para descobrir algum dos mistérios que correm sobre
o leito da “mãe ganga” através dos séculos.
Minha curiosidade se estendia por todas as dimensões daquela
cidade que me encantava e me seduzia pela sua originalidade, quem
sabe mantida assim pelos seus incontáveis deuses.
Ao entrar na rua que me conduziria de volta ao hotel onde me hospedara,
percebi, de súbito,que um homem me olhava com interesse
incomun. Usava uma barba muito preta que cobria-lhe as feições
e extático a pouca distância de mim, acompanhava
meus passos. Tomado de um certo temor entrei em uma loja e comprei
incensos e outras quinquilharias. Ao sair estava confuso, seria
um assaltante? Não, não poderia ser, pensei. Ademais,
eu não portava nada de valor que valesse a pena roubar,
mas então... “ Bem talvez ele não esteja me
seguindo”. Estava. E já bem próximo de mim.
Segui pela primeira ruela que apareceu a minha esquerda e passei
em frente a um templo. O intenso aroma de incenso me fez lembrar
que eu estava na India, e sendo seguido de perto por um homem
desconhecido. Fiquei ainda mais apreensivo, quando vi uma grande
aglomeração de pessoas fazendo um alarido assustador
e interditando qualquer tentativa de passagem pela rua. Encostei-me
em uma parede e fechei os olhos. Pedir socorro? Como? Em meio
aquele burburinho? Foram momentos de íntima agonia, segundos
intermináveis precederam o instante em que senti as mãos
rijas do homem sobre meus ombros. Abri os olhos esperando o pior,
mas o que vi foi um rosto sorridente pronunciando palavras incompreensíveis
para mim. O olhar do homem me pareceu festivo e amistoso quando
após alguns minutos de um emotivo arrazoado, pronunciou
um sonoro “namastê!” e voltou sobre seus passos,
para em seguida desaparecer.
Respirei aliviado tentando compreender... Bem, talvez fosse mais
um entre os tantos mistérios de Varanasi.
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