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Atenéia Rocha França de Araújo
Campina Grande / PB

 

A dama do véu branco

O filho do fazendeiro estava acostumado a viajar a cavalo para resolver os negócios do seu pai e, nessas viagens, acontecia de só voltar à fazenda à noite, o que deixava a sua mãe apreensiva. Ela lhe dizia:
-Meu filho, não é bom andar à noite.É de noite que as almas andam na terra para assombrar os vivos.
-Bobagem, mãe. Devemos ter medo é dos vivos, que podem nos matar. Onde alguém que já morreu pode nos fazer mal?
Para garantir sua segurança, ele andava com uma espingarda e, como a mãe insistisse, aceitava que ela o benzesse antes de cada viagem. Seu pai lhe dizia:
-Não leve a sério essas coisas da sua mãe. Ela pensa que há fantasmas circulando por aí.
O jovem achava tolice mas, por respeito à mãe, resolveu não dizer mais nada e continuou levando sua vida de sempre: trabalhando com o pai, ajudando a administrar os negócios e viajando muito a cavalo para resolver os assuntos dele.
À noite, ele não tinha medo. Afinal, o que havia de noite? Apenas a lua, as estrelas, o céu negro e os sons dos animais noturnos. Por que ter medo de uma coruja que piava soturnamente ou do farfalhar das folhas das árvores, que faziam sombras estranhas?
Uma noite, porém, passando perto da igreja, ele viu algo que lhe fez parar o cavalo. Era um vulto todo de branco com véu. Resolvendo saber do que se tratava, ele se aproximou e perguntou:
-Olá, que faz aqui tão tarde da noite? Não sabe que é perigoso para uma mulher andar sozinha à noite?
Uma voz triste e musical respondeu:
-Eu não tenho mais pelo que viver. Choro a morte do meu noivo, que me deixou tão de repente. Oh, queria morrer também.
Gentilmente, ele respondeu:
-Ora, não faça isso. Sei que é triste perdermos os que amamos,mas devemos seguir adiante.
Ele não podia ver o seu rosto, mas viu suas mãos muito brancas, que seguravam uma flor, e pôde ver que tinha cabelos escuros, longos e bonitos sob o véu branco.
-Ninguém poderá me amar como ele me amou.
-Senhorita, vejo que é jovem e posso notar que é bonita. Quem não a amaria?
-Você seria capaz de me amar?
-Por que não?
A mulher lhe estendeu a mão, oferecendo-lhe a flor. Disse-lhe:
-Então, aceite esta rosa. Fique com ela para você.
-Obrigado. Bem, eu poderia ver seu rosto?
-Não, peço que tente não ver meu rosto.
-Certo. Tudo bem.
Ele estava curioso em saber quem seria a dama de véu branco, mas tinha que seguir caminho, ou sua mãe morreria de preocupação. Olhou novamente a mão branca que lhe dera a flor e disse:
-Você tem mãos tão bonitas. Deixe-me beijar sua mão.
Beijou a mão branca e fria, achando que parecia quase irreal, como se não fosse feita de carne. Quem era aquela mulher, de quem exalava um perfume doce e suave como o das damas-da-noite?
-Tenho que ir, senhorita. Volte para casa. Você está fria, deve ser por causa do frio da noite.
-Adeus, gentil rapaz.
-Adeus.
Voltou para casa, encontrando a mãe aflita. Ela lhe disse:
-Pensei que tinha acontecido algo ruim.
-Calma, mãe. Não houve nada. Aliás, houve algo engraçado.
-O quê pode ter havido de engraçado?
Despreocupado, ele contou à mãe, que pediu:
-Meu filho, isso foi uma alma! Que mulher em seu juizo perfeito ficaria vagando à noite desse jeito?
-Ora, mãe, almas dão flores? mostrou a flor à boa senhora.
-Jogue isso fora! pegou a flor, atirando-a pela janela.
Dando de ombros, ele foi dormir e, no dia seguinte, viu que algo flutuava pendurado na árvore ao lado da janela do seu quarto. Era um véu branco. A mãe gritou de pavor e o pai ficou desconfiado.
-Será que você cruzou com alguma louca,meu filho?
Pela primeira vez, o rapaz sentiu medo, mas não disse nada. Para tranquilizar a mãe, passou a não viajar à noite e, se as viagens exigiam que ficasse o dia inteiro fora, dormia numa pensão. Mesmo assim, ele nunca mais dormiu tranquilamente. Todas as noites, fosse na fazenda ou em alguma pensão, ele tinha a impressão de que sentia aquele perfume suave, ouvia aquela voz melodiosa e triste a chamá-lo, dizendo-lhe:
-Venha, meu querido. Venha, você disse que ia me amar.
Certa noite, ele dormia numa pensão e todos acordaram com seus gritos. Ele andava pelo corredor, descontrolado, carregando um véu branco e dizendo:
-A dama do véu branco esteve aqui! Ela está atrás de mim!
Logo, a história da dama do véu branco se espalhou. Diziam que tinha sido uma moça que morrera de tristeza porque o noivo se matara.
-Com certeza, ela agora quer que você seja o noivo dela. Como ele se matou, as almas deles não podem se unir. E ela escolheu você.
A mãe do rapaz mandou rezar uma missa pela alma da moça que teria morrido de tristeza, embora soubessem que podia não ser ela. Era possível que alguém morto há mais de trinta anos fosse a dama do véu branco? Poderia ser outra alma infeliz que andava pelo mundo dos vivos.
A verdade é que o rapaz foi deixando de ser ele mesmo. Emagreceu, parou de andar a cavalo e seus pais se preocuparam com sua saude. Chamaram o médico, que recomendou descanso e boa alimentação. Mas ele não conseguiu se recuperar. Andava à noite, dizendo que sentia o perfume da mulher e ouvia seus passos sutis rondando seu quarto. Com isso, nem ele nem os pais dormiam e os empregados da fazenda foram dizendo que ele enlouquecia.
-Ele não está louco. É a dama do véu branco.
O capataz da fazenda jurava que vira a dama rondando a fazenda e a mãe do jovem rezava e pedia que a mulher fosse embora. Não adiantou. O rapaz foi definhando devagar e, numa manhã, quando a mãe foi chamá-lo para tomar o café, viu que ele estava deitado e imóvel de olhos abertos.
-Meu filho. tocou-o.
Gritou, desesperada. Seu amado filho estava morto.
Choraram-no e enterraram-no e os empregados da fazenda juram que o veem rondando a fazenda acompanhado da dama de véu branco.


   
Publicado no livro "Xeque-mate" - Contos selecionados - Edição Especial - Novembro de 2014