Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Larissa Nascimento Sátiro
Feira de Santana / BA

 

Sobre como acontece o movimento

 


Um dia Alice se sentou com a noite e disse a ela que não fosse mais. Totalmente ultrapassada por uma coluna de fogo que ardia de dia e de noite e não a deixava sentir mais nada. Seus desejos eram tão “ infaláveis”, eram tão impensáveis... e impregnavam-na com aquela figura insondável. Quem era ele? Aquela letra que se desdobrava num arquétipo arquirrival e ao mesmo tempo auteregóico? O certo é que embora não se mostrasse ainda materializado nem exalasse um perfume em que ela pudesse pensar, sua ansiedade (pelo menos aquela que ela podia simbolizar) gerou um interesse cheio de ilusões que ela refreou até onde pôde. No entanto sua mobilidade encontrava-se débil e a culpa era dele. Pelo menos era o que ela pensava. Alice lia sobre Clarice e escrevia para dizer à sua ilusão nublada, em cada página, o que pensava. Melhor, o que sentia. E o procurava a cada dia sem o saber...
De repente se percebeu ali, pensando em como o movimento muda a vida, muda os rumos, reativa planos... em como é difícil dar os primeiros passos... e se percebeu pensando nas coisas e pessoas que a mobilizavam sem se esquecer de que embora o que fosse externo a ela a atraísse, só nela poderia encontrar forças para iniciar e concluir os movimentos que a levariam para onde nem ousava pensar ainda. Que mágica e quão linda é a vida... quão árdua e gratificante, como todo paradoxo que faz pensar. E pensar também é se mover. Ouso até dizer que é no pensamento que o movimento começa para só então se dar ao corpo, reverberando para os outros, para o Outro e então de volta pra si. E Alice já não se questionava acerca de quem era ou para onde iria. Ela simplesmente se propôs a seguir esse curso mágico e cheio de propósitos que ia descobrindo à medida em que ativamente se deixava levar para onde tinha que ir. Parece difícil? E é mesmo...
E foi aí que se deu o encontro. E tudo é encontro. E o verbo ainda nem pronunciado, ainda puro pensamento e desejo, se fez carne. E ela se decepcionou profundamente; recusou sua grande descoberta. Pensou que fosse sucumbir ao tédio de descobrir que não havia força naquele encontro para movê-la. Mas ele reverteu aquilo tudo, e sem querer, e sem pensar, e sem nem desconfiar dos seus intentos, os de Alice, deu a ela algo mais do que ela pensara em querer. Confiou nela. E lhe mostrou uma essência da qual jamais teria Alice pensado em se aproximar. Foi natural. Foi incrivelmente revelador. Seus desejos de seduzir ficaram tontos e se transformaram, como num movimento de metamorfose que acabou por movê-la inteira. E Alice dormiu tranquila, como nunca antes em terras estranhas. E acordou outra, nova, grata. E seguiu. Seguiu com ele, seguiu sozinha... Já não precisava de companhia para ser. Simplesmente e como que num passe de uma mágica vida que veio à tona, era.

 

   
Publicado no livro "Xeque-mate" - Contos selecionados - Edição Especial - Novembro de 2014